Crítica | História de um Casamento

Uma das melhores qualidade do diretor Noah Baumbach é contar histórias que nos conectam, que nos fazem sentir próximos do protagonista. Foi assim, por exemplo, com Frances Ha (2013). Embora os sonhos da personagem de Greta Gerwig possam parecer ilusórios, o telespectador passa a sonhar com ela.

História de um Casamento segue isso a risca. Um drama sobre divórcio, e as consequências que a separação podem causar quando um filho está no meio do impasse. O longa é capaz de conectar não somente quem já passou por uma situação semelhante. Porque passamos a nos importar com o drama de Charlie (Adam Driver) e Nicole (Scarlett Johansson). Noah pode parecer cruel e frio, mas História de um Casamento trata que o divórcio não é tão simples quanto apertar um botão. O amor e ódio se entrelaçam quando as emoções estão à flor da pele. Com performances impressionantes de Adam Driver e Scarlett Johansson, com trabalhos de apoio pontuais de Laura Dern e Alan Alda, o drama mostra a guerra emocional entre um casal que não se dá conta que a decisão que estão tomando pode alterar o curso de todos ao seu redor, principalmente, no comportamento do filho.

A trama mostra que Nicole (Johansson) e Charlie (Driver) são o tipo de casal perfeito com cada um expondo as qualidades do outro. Mas, a relação está desgastada e, devido ao filho ainda criança, decidem continuar vivendo sob o mesmo teto. O relacionamento entre ambos permanece frio e distante, e ambos concordam em se divorciar de uma forma amigável. Pelo menos, foi assim que eles imaginaram. Nicole é uma atriz que foi uma parte vital das peças que Charlie dirigiu em sua companhia de teatro. Ela opta por seguir carreira em Los Angeles, mas Charlie decide ficar em Nova York, inciando o primeiro embate. Embora inicialmente não concordem com advogados, Nicole decide que precisa de um advogado para seus interesses e contrata a eficiente advogada Nora (Laura Dern). Charlie, não querendo perder a custódia total do filho Henry (Azhy Robertson), contrata seu advogado (Alan Alda). À medida que o processo de divórcio continua, vemos ressentimentos e negligências que se acumularam ao longo do casamento e agora vão à tona. O que deveria ser uma separação amigável acabou se transformando em uma guerra total, pois o desejo de “vencer” ofusca a vida após o casamento.

Embora não tenha admitido publicamente, Baumbach tomou como base as memórias de seu próprio divórcio. Na sua visão, o divórcio é algo muito mais completo e o “x” da questão está no emocional, que podem chacoalhar todo o trâmite. História de um Casamento não obriga que você tome partido. Ambos estão infelizes. Não se trata de quem estava certo e quem estava errado. Esta é uma história sobre as consequências. O filme dedica boa parte da narrativa esmiuçando como essas duas pessoas se afastaram, os motivos da separação e que o processo emocional está mais a frente do que o jurídico. O cineasta analisa com eficiência a dificuldade para avançar após o fim do relacionamento.

O longa não deixa barato em alfinetar um lado ganancioso dos advogados, visando mais os honorários do que o mais importante: o bem estar o casal. Cada um defende seu lado e isso se manifesta em uma rivalidade entre Charlie e Nicole. Nenhum dos dois querem perder. Mas obviamente eles se preocupam profundamente com o futuro de Henry.

As performances estão em perfeita sintonia. Scarlett Johansson nunca esteve tão bem, interpretando seu papel mais maduro até hoje. Com uma forte presença em cada diálogo, seu olhar e tom de voz deixam claro o desgaste emocional ao longo dos anos de convivência com Charlie. O relacionamento acabou e ambos erraram em acreditar que a crise passageira. Adam Driver desempenha uma das grandes atuações do ano, senão a melhor. Embora de início o longa se concentra bastante em Nicole, aos poucos vai mostrando mais de Charlie. Sua atuação é de pura entrega, potente. À medida que Charlie começa a se dar conta do que está acontecendo, ele revela suas complexidades emocionais. Charlie carrega uma culpa pelo divórcio, e Driver tem seu momento de brilho e o mais emocional de 2019 no terceiro ato. Ao cantar “Being Alive”, ele mostra Charlie em sua essência. Ele está em frangalhos emocionalmente. Em cada refrão que entona, é como um pedido de socorro.

História de um Casamento não é um filme fácil de digerir. Há momentos de leviandade e momentos de amor. É devastador assistir um casal que se amou cortando laços. Crescemos com o encanto de que o amor é eterno, que casais como Nicole e Charlie são inseparáveis. Mas a história também reserva o outro lado da moeda. Pessoas que se amam também podem se odiar. O tipo de ódio que você só pode mostrar a alguém que amou de todo o coração. Amor e ódio estão de mãos dadas nesta obra magnífica de Noah Baumbach.