Rabia: As Esposas do Estado Islâmico é um drama psicológico e político que expõe a realidade opressiva do Estado Islâmico
Divulgação/Pandora Filmes
Rabia: As Esposas do Estado Islâmico é um drama psicológico e político que expõe a realidade opressiva do Estado Islâmico
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Rabia: As Esposas do Estado Islâmico é um drama psicológico e político que expõe a realidade opressiva do Estado Islâmico

O cinema contemporâneo, quando ousa olhar diretamente para as feridas abertas do mundo, assume uma função não apenas estética, mas profundamente política. Rabia: As Esposas do Estado Islâmico, primeiro longa-metragem da diretora Mareike Engelhardt, é um desses raros filmes que se lançam de cabeça no abismo da realidade e o traduzem em um drama intenso, desconfortável e, sobretudo, necessário. Inspirado em fatos reais, o longa abriu o Festival Filmes Incríveis do Belas Artes Grupo, e chega ao público como um soco no estômago, expondo a crueldade de um sistema totalitário que sequestra não apenas corpos, mas também sonhos e identidades. Engelhardt mostra maturidade e coragem ao conduzir uma narrativa tão delicada e dolorosa em sua estreia nos longas.

Rabia: As Esposas do Estado Islâmico é um drama psicológico e político que expõe a realidade opressiva do Estado Islâmico

A trama acompanha a jovem francesa Jessica, interpretada pela brilhante Megan Northam. Com apenas 19 anos, ela acredita na promessa de uma vida melhor e parte rumo a Raqqa, cidade marcada pela guerra e pela violência, mas apresentada a ela como um refúgio. Lá, encontra um lar destinado às futuras esposas dos soldados do Estado Islâmico, onde mulheres solteiras e viúvas aguardam seu destino. No entanto, a promessa logo se revela uma armadilha: o que parecia ser uma chance de recomeço transforma-se em cárcere. Engelhardt desenha esse espaço como uma prisão disfarçada de casa de acolhimento, onde cada gesto de fé e devoção é manipulado para moldar comportamentos e anular identidades. O carisma da diretora do local, interpretada pela impecável Lubna Azabal, dá o tom do horror: uma mulher que, em nome de Allah, conduz outras à completa submissão, inspirada em figuras femininas reais do Estado Islâmico.

Sob os olhos de Jessica, acompanhamos a derrocada de uma jovem sonhadora que, pouco a pouco, se vê esmagada por uma realidade brutal. A narrativa nos coloca dentro do processo de doutrinação, expondo cada detalhe da lavagem cerebral, do controle psicológico e da violência cotidiana. O filme não se limita à denúncia superficial: ele mergulha no terror íntimo, no olhar perdido da protagonista, no silêncio que se mistura a gritos distantes, no medo que se entranha em cada parede escura daquele espaço. A atuação de Megan Northam é avassaladora, uma entrega visceral que guia a narrativa, ora pela vulnerabilidade extrema, ora pela força silenciosa de uma sobrevivente. Ao seu lado, Lubna Azabal constrói uma antagonista memorável, que transita entre a figura maternal e a ditadora implacável, tornando cada confronto entre as duas carregado de tensão quase insuportável.

Tecnicamente, Rabia: As Esposas do Estado Islâmico é um filme que aposta em uma estética sufocante. A fotografia privilegia ambientes escuros, sombras densas e composições que reforçam a sensação de enclausuramento. O trabalho de montagem é igualmente eficiente, utilizando silêncios abruptos, sons ao fundo e cortes secos para intensificar a angústia do espectador. Nada é gratuito: a diretora recusa a violência gráfica como espetáculo e opta por uma abordagem que incomoda justamente pelo que sugere, pelo que deixa nas entrelinhas, pelo que ecoa no olhar da protagonista. É um cinema de atmosfera, onde o horror é construído pela expectativa, pelo silêncio que antecede o grito.

Mais do que um drama psicológico, o longa é um comentário político poderoso. Mareike Engelhardt expõe a engrenagem da radicalização religiosa e a forma como o Estado Islâmico utilizou a fé como ferramenta de opressão e dominação. O filme não busca respostas fáceis, tampouco soluções simplistas: ele apresenta a realidade em sua dureza, convidando o espectador a refletir sobre o papel das mulheres nesse contexto e, sobretudo, sobre os direitos humanos constantemente violados em zonas de guerra. Ao fazer isso, Engelhardt insere sua obra em um campo de discussão urgente, colocando-a lado a lado com produções que utilizam o cinema como instrumento de denúncia e resistência.

Rabia: As Esposas do Estado Islâmico marca uma estreia sólida e impressionante de Mareike Engelhardt. É um thriller psicológico e político que não apenas incomoda, mas também ressoa. Um filme que reafirma a importância da arte como testemunho do nosso tempo, como espaço de memória e como alerta. Em um mundo onde tantas histórias de mulheres são silenciadas, Engelhardt lhes dá voz — ainda que seja uma voz carregada de dor, mas também de resistência. Para quem busca no cinema uma experiência que vai além do entretenimento, este é um filme indispensável, capaz de deixar marcas profundas e de abrir debates necessários.

O longa estreia nesta quinta-feira (21) nos cinemas, com distribuição da Pandora Filmes.

3

BOM

Rabia: As Esposas do Estado Islâmico marca uma estreia sólida e impressionante de Mareike Engelhardt. É um thriller psicológico e político que não apenas incomoda, mas também ressoa. Um filme que reafirma a importância da arte como testemunho do nosso tempo, como espaço de memória e como alerta.

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