Ler é Bom, Vai | Vacas, de Dawn O’Porter, é um livro necessário!

A Comic Con Experience 2017 pode ter começado, mas não podemos deixar de comentar de uma das coisas mais sensacionais que li no ano de 2017. Publicado pela Editora arperCollinsBrasil, Vacas ganhou sua melhor definição pela frase estampada na capa preta e amarela. “Hilário e doloroso”, disse Kristen Wiig, estrela de Caça Fantasmas e Missão Madrinha de Casamento. Extremamente necessário e contemporâneo, suas histórias dão a impressão de terem saído do século passado por aquilo que relatam. Para nossa infelicidade e indignação, porém, não poderiam ser mais atuais. Demorei a pegar Vacas para ler, mas após algumas páginas já me arrependi de ter demorado tanto. O’Porter nos conta o drama de mulheres que estão longe de serem fictícias, mesmo que não existam “na vida” real. É em homenagem a Tara, Stella, Cam e muitas outras, que escolhi esse livro para o Ler é Bom, Vai! de hoje.

“Um pedaço de carne; feito para reproduzir; além da sua data de vencimento; parte do rebanho.
Mulheres não têm que se encaixar em estereótipos. Tara, Cam e Stella são estranhas vivendo suas próprias vidas da melhor forma que podem, apesar de poder ser difícil gostar do que você vê no espelho quando a sociedade grita que você devia viver de um jeito específico. Quando um evento extraordinário cria laços invisíveis de amizade entre elas, a catástrofe de uma mulher vira a inspiração de outra, e uma lição para todas.
Às vezes não tem problema não seguir o rebanho.”

Logo de cara fiquei com preconceito do livro. Com receio de que fosse uma pequena lavagem cerebral sobre o feminismo, deixei ele me olhando da estante até o dia em que resolvi ceder a pressão daquela boca amarela enorme me encarando. Felizmente o fiz. Desde que abrimos a primeira página e lemos o tipo de história que será contada, percebemos exatamente o que a autora irá fazer e onde ela quer chegar. A questão abordada em Vacas vai muito além de ser feminista ou não, é sobre ser mulher e enfrentar todas os julgamentos que sofremos apenas por termos nascido ou optado por termos o sexo que temos. Isso não torna o livro de O’Porter exclusivo para mulheres, muito pelo contrário, deveria ser leitura obrigatório a todo ser humano.

A diferença entre os sexos no mercado de trabalho. Mulheres sendo julgadas por outras mulheres apenas por não quererem ter filhos. Mães solteiras sendo criticadas por outras mulheres por não terem um homem ao lado para chamar de marido. Essas são frases que eu não acreditaria ainda estar lendo em pleno século XXI. E pensar que milhares sofrem com isso diariamente pelo mundo, enfrentando dificuldades, preconceitos, julgamentos e críticas absurdas sem motivo. Fiquei muito feliz por ler Vacas, um livro orgânico e extremamente verdadeiro naquilo que fala, sem pudor de enfrentar o concorrido mercado literário. Recheado de palavrões e gírias do cotidiano, muitas vezes esqueci que estava lendo um livro. A autora construiu sua narrativa de uma forma que parece uma grande conversa em mesa de bar, onde mulheres debatem as dificuldades que enfrentam diariamente.

Divulgação/HarperCollinsBrasil

A primeira a contar sua história é Tara, uma mãe de 42 anos, que trabalha em uma produtora de documentários. Vivendo em meio a um ambiente bastante competitivo e dominado por homens, ela precisa se esforçar o dobro de seus companheiros apenas por ser mulher. Ser mãe solteira sempre é difícil, principalmente quando sua filha exige de você toda a atenção do mundo. Como se toda a dificuldade do mundo não fosse suficiente, ela é acaba tendo seu rosto estampado em um dos lugares mais cruéis da atualidade, a internet. Criticada pelos pais, pelos colegas de trabalho e até por sua melhor amiga, Tara nos ensina o verdadeiro significado de ser forte.

Camilla Stacey é o oposto de Tara. Blogueira famosa, sem problemas financeiros, solteira e super feliz com isso, ela utiliza a internet para contar sua opinião sobre os fatos. Com posicionamentos fortes sobre o feminismo, ela reuniu uma multidão de fãs durante os anos – além de um amante 10 anos mais novo. Segura daquilo que acredita, Cam resolve desabafar sobre não querer ter filhos e sua opinião não agrada a muitas pessoas.Lendo os textos escritos “por ela”, temos uma aula sobre empoderamento e imposição. Utilizando a “desculpa” de que está narrando um livro, a autora consegue falar aquilo que pensa nas publicações de Camilla e os assuntos não poderiam ser mais atuais.

Stella é a terceira mulher a contar sua história. Assistente pessoal de um fotógrafo, a jovem de 27 anos enfrenta um dilema diário consigo mesma. Sua mãe e sua irmã gêmea morreram de câncer e ela descobriu que tem o gene responsável por alguns tipos da doença, gerando 85% de chances para que ela acabe por desenvolver o câncer. Uma das curas possíveis é a retirada dos órgãos em que a doença poderia se instalar, o que acabaria com suas chances de ter filho. Quando o namorado se mostra a pessoa menos compreensiva do mundo – e eu tive vontade de entrar no livro e socá-lo -, Stella vê seu mundo virar e cabeça para baixo.

Não é difícil imaginar que as histórias se conectam em algum momento e é essa a grande sacada da autora.  O’Porter usa a ligação entre as mulheres para abordar as questões feministas desejadas. Mostrando o real poder das palavras, ela consegue instigar o leitor e prendê-lo até a última página. Era o livro que eu estava precisando ler num final de ano cansativo, mostrando que ainda há esperança para os preconceitos que mulheres sofrem diariamente.