Ler é Bom, Vai | O emocionante relato da meia-irmã de Anne Frank em Depois de Auschwitz

Foto: Paula Ramos

Diferente do que estou acostumada a escrever no Ler é Bom, Vai!, voltado principalmente para livros de ficção e fantasia, resolvi trazer uma de minhas temáticas favoritas para a coluna: o nazismo e suas consequências. Pensando um pouco no clima de ódio que se propaga no mundo ultimamente, me peguei vagando de volta a Depois de Auschwitz, um livro que li tempos atrás e que até hoje me emociona com a profundidade de seu enredo. Eva Schloss pode não ser muito conhecida como sua irmã de criação, mas nos ofereceu uma das versões mais bonitas – e verídicas – do que aconteceu com Anne Frank e sua família. A trama é intensa, pesada, realista e detalhada na medida certa, expondo o lado negro da história alemã sem dó nem piedade. É aquele tapa na cara com luva de pelica que precisamos levar de vez em quando.

“Em seu aniversário de quinze anos, Eva é enviada para Auschwitz. Sua sobrevivência depende da sorte, da sua própria determinação e do amor de sua mãe, Fritzi. Quando Auschwitz é extinto, mãe e filha iniciam a longa jornada de volta para casa. Elas procuram desesperadamente pelo pai e pelo irmão de Eva, de quem haviam se separado. A notícia veio alguns meses depois: tragicamente, os dois foram mortos.Este é um depoimento honesto e doloroso de uma pessoa que sobreviveu ao Holocausto. As lembranças e descrições de Eva são sensíveis e vívidas, e seu relato traz o horror para tão perto quanto poderia estar. Mas também traz a luta de Eva para viver carregando o peso de seu terrível passado, ao mesmo tempo em que inspira e motiva pessoas com sua mensagem de perseverança e de respeito ao próximo – e ainda dá continuidade ao trabalho de seu padrasto Otto, pai de Anne Frank, garantindo que o legado de Anne nunca seja esquecido.”

Peguei para ler Depois de Auschwitz em uma segunda-feira e três dias depois eu terminava de ler a última página, emocionada e com um buraco no peito. Eva nos proporciona uma mistura de sentimentos opostos, porém verdadeiros, desde o alívio por saber que algo deu certo até percebermos o quão longe vai a maldade do ser humano. A história de Anne se propaga pelo mundo inteiro até os dias de hoje, tomada como exemplo e mártir das vítimas daquele período sombrio. Assim como ela, porém, muitas outras histórias foram esquecidas e perdidas nas passagens do tempo, eternizadas nas lembranças de famílias que perderam seus entes queridos. O livro nos conta toda a trajetória de vida de Eva detalhadamente, desde seus jovens 15 anos quando foi levada para o Campo de Concentração de Auschwitz, na Polônia. Os momentos felizes ao lado de sua família contrastam com as cenas de horror que ela presenciou durante a Guerra, onde foi obrigada a se separar de sua família por diversas vezes. Muitas vezes reclamamos de ser julgados por algo que gostamos, mas a jovem adolescente judia viu seus amigos mais próximos a segregarem e a xingarem apenas por sua religião.

Tive a oportunidade de visitar o Campo a cerca de 2 anos atrás, e posso afirmar o quão doloroso foi apenas entrar naquele lugar. Não há como não pensar nas mais de 1,5 milhões de vidas que se perderam naquela pequena região da Cracóvia, apenas pelos ideais de um homem. Fiquei receosa ao ler que o livro era escrito pela irmã de criação de Anne, imaginando que poderia ser um pouco mais do mesmo, mas (in)felizmente me surpreendi. O mais bonito e profundo da trama de Eva é a sinceridade com que os fatos são narrados pela autora, e seus relatos verossímeis perpetuam na cabeça durante toda a leitura. Embora saibamos os impactos que a Guerra teve na população afetada, “ouvir” de alguém que lá esteve – e sobreviveu – é fascinante. Temos o hábito de atribuir à culpa apenas a Hitler, mas se uma coisa fica clara em Depois de Auschwitz, é que a traição e a decepção podem vir de todos os lados.

“De repente os agradáveis amigos da minha infância se foram. Perguntava-me agora quem eram essas novas pessoas. Os comerciantes simples, condutores de bonde e supervisores de obras que imaginei conhecer estavam agora fazendo os judeus ajoelharem a seus pés…”

A autobiografia de Eva Schloss relata seus piores momentos, desde a perda de pessoas próximas até a fome e as doenças que se disseminavam rapidamente naquela época. A crueldade é tanta que as vezes esquecemos o fato de que tudo aquilo aconteceu, estando muito longe de ser uma história de ficção. A amargura e o ódio presentes no ser humano se fazem presentes desde os primórdios, e se hoje apontamos o dedo para pessoas como Donald Trump, é porque assim como Hitler, pessoas o deixaram chegar no poder. Ser ou não a irmã de sangue de Anne Frank é o que menos importa, apesar do marketing proporcionado na capa. Eva conheceu Anne durante a infância, quando ambas moraram em Amsterdã por um período de tempo. Após a guerra, porém, uma triste coincidência do destino as uniu: enquanto na família de Anne apenas seu pai, Otto Frank, sobreviveu ao Holocausto, da família de Eva apenas sua mãe, Fritzi, sobreviveu. As fatalidades da vida aproximaram o casal, e mesmo sem conhecer sua meia-irmã, a autora acompanhou de perto a luta de seu pai para publicar o livro que hoje conhecemos como O Diário de Anne Frank.

“Anne Frank escreveu no final de seu diário, pouco antes de ser capturada, que ainda acreditava que as pessoas tinham bons corações, mas eu me pergunto o que ela pensaria se tivesse sobrevivido aos campos de concentração de Auschwitz e Bergen-Belsen. Minhas experiências revelaram que as pessoas têm uma capacidade única para crueldade, brutalidade e completa indiferença aos sentimentos humanos. É fácil afirmar que o bem e o mal existem dentro de cada um de nós, mas eu vi a realidade de perto, e isso me levou a uma vida de questionamentos sobre a alma humana.”

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