Com a chegada de Toy Story 4 aos cinemas mundiais, não tem como não refletir em como a franquia marcou o cinema e a vida de milhares de pessoas ao redor do mundo todo. Sua chegada às telonas em 1995 determinou os rumos de um gênero cinematográfico ainda pouco reconhecido na época. A primeira animação totalmente computadorizada da história mostrava à indústria do cinema duas coisas: que animação era coisa séria (e deveria ser tratada como qualquer outro longa com suas especificidades) e que, nas mãos dos estúdios certos, poderia fazer pilhas e pilhas de dinheiro. Os números acabaram falando por si mesmos: 373,6 milhões arrecadados de bilheteria (e estamos falando de um filme dos anos 90!).
Mas sabemos que não foi apenas com gráficos belíssimos que Toy Story conquistou o coração de crianças e adultos. Abordando temas profundos com personagens extremamente humanos, a franquia eternizou o espírito Disney/Pixar de fazer cinema: provocar reflexões enquanto encanta nossos olhos e ouvidos.
Há algo mais humano que o ciúmes de quem se ama e o medo do abandono? Desde o primeiro filme, percebemos que sentimentos não muito agradáveis e questões existencialistas no geral são a chave das aventuras vividas por Woody, Buzz e companhia. No longa de 1995, somos apresentados a um líder que, quando contrariado, vira um verdadeiro crápula! Diante do favoritismo de Andy pelo brinquedo novo Buzz, Woody passa a ser hostil e manipulador até cometer um ato quase que criminoso, mesmo sem ter a real intenção.
Concomitantemente, o personagem Buzz vive o trauma da desconstrução de sua própria identidade ao descobrir que não é um patrulheiro espacial de verdade, e sim um simples brinquedo que foi comprado e dado de presente a um menino. Questionamentos como “Por que estou aqui?”, “Qual o propósito da minha existência?” entre outros são o suporte das ações dos protagonistas, que sofrem com as incertezas e inseguranças que começamos a sentir na nossa primeira infância e não paramos mais.
Já nos longas seguintes, alguns dos mesmos elementos permanecem, entretanto, o amadurecimento e a resiliência diante de fatos imutáveis passam a ser encarados de forma mais natural pelos próprios personagens. Em Toy Story 2 (1999), vemos o protagonista Woody lidar melhor com seu preterimento, mas ficar tentado a fugir de seu círculo para ter novamente seus momentos de glória e reconhecimento com novos brinquedos. Em Toy Story 3 (2010), a despedida definitiva do menino Andy abre a porta para outras aventuras e outras amizades.
Mesmo com a frustração e a impotência perante um fenomeno natural (o crescimento e amadurecimento de uma criança), há ainda esperança para a felicidade (o surgimento de Bony como nova dona). O desespero diante de uma perda inevitável (como nas cenas iniciais do longa, mostrando os brinquedos de Andy preocupados com a ideia de serem jogados fora) é recompensado ao fim, com direito a um dos finais mais agridoces do cinema.
Em Toy Story 4, para fechar com chave de ouro (será mesmo?), percebe-se claramente uma evolução ainda maior, como a atenção dada à personagem feminina Bo Peep (Betty) sem ser necessariamente num contexto romântico ao lado de Woody. Com terrenos ainda muito férteis, diretores e roteiristas, mesmo diante de pilhas e pilhas de dinheiro dos três filmes anteriores, ainda encontram espaço criativo para adequar suas narrativas à uma realidade de maior inclusão. Não poderia ser diferente vindo da Disney.
Mesmo que o último longa seja de fato o adeus definitivo de Woody, Buzz e sua turma, Toy Story ainda vai inspirar muitas gerações que encontrarão, em animações coloridas, brinquedos falantes e trilhas-sonoras divertidas e alegres, lições de vida dignas de divãs de consultórios de psicanálise.