Sombras no Deserto (2025)
Divulgação.
Sombras no Deserto (2025)
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Sombras do Deserto falha como terror, mas se destaca ao transformar um conto bíblico em uma fábula sobrenatural

Admito que, à primeira vista, foi difícil levar Sombras do Deserto totalmente a sério. Nicolas Cage já se tornou um ícone tão excêntrico que sua figura destoa de imediato quando colocada dentro de um terror psicológico de temática bíblica. Ainda assim, o filme dirigido por Lotfy Nathan traz uma proposta diferente do que vemos hoje no gênero — e só isso já merece algum crédito.

Na trama, acompanhamos uma família formada por um carpinteiro atormentado (Nicolas Cage), que começa a ter visões religiosas; uma mulher (FKA Twigs), emocionalmente distante; e um adolescente (Noah Jupe), conhecido apenas como “O Menino”, cuja verdadeira natureza é cercada de mistério. Depois de vagarem pelo deserto do Egito, eles se estabelecem em uma vila isolada em que acontecimentos sobrenaturais começam a cercar a criança, que aos poucos demonstra poderes inexplicáveis e um destino que ultrapassa a compreensão humana.

Mesmo sem revelar nomes, o filme deixa claro que os personagens representam figuras bíblicas: o Carpinteiro como José, a Mulher como Maria, e o Menino como Jesus. Ocultar esses nomes foi uma boa escolha pois evita polêmicas e cria uma aura ainda mais sombria e enigmática ao longo de toda história.

Nathan também não esconde que sua relação com a religião é profunda, até porque o longa é inspirado no obscuro Evangelho da Infância de Tomé, um texto que explora histórias pouco conhecidas sobre a juventude de Cristo.

A primeira metade do filme funciona bem: há mistério, simbolismos interessantes e uma ambientação que trabalha temas como culpa, fé, devoção e profanação. O problema é que, movido pela ambição de reimaginar a adolescência de Jesus, o diretor perde o ritmo ao tentar abraçar temas demais sem aprofundar nenhum deles. O resultado é uma narrativa irregular, que interrompe seu próprio fluxo e nunca mergulha totalmente nas discussões que propõe.

Essa falta de ritmo prejudica principalmente o terror. Ao longo de suas 1h34min, senti curiosidade e até algum desconforto — mas nunca medo. As cenas parecem desconectadas, mal encaixadas e até desalocadas dentro da própria estrutura do filme, algo que, para um terror, é um pecado mortal.

Do lado positivo, as atuações de Cage e Jupe elevam o material. Ambos interpretam personagens atormentados, em conflito constante, e oferecem momentos essenciais para que a narrativa ganhe alguma profundidade. Seja nas tentações de Satanás, na adoração ao desconhecido ou no simbolismo do deserto, os dois entregam versões inesperadas e até provocativas dessas figuras bíblicas.

No fim das contas, Sombras do Deserto falha como terror sobrenatural, mas se destaca como um experimento estranho e ousado dentro do gênero. É brutal, conservador, sombrio — e mesmo sem assustar, produz incômodo pela sua visceralidade. Um filme peculiar, que talvez não funcionasse sem a presença magnética de Nicolas Cage, mas que vale uma conferida pela abordagem inusitada de um tema que ninguém imaginava ver retratado dessa forma.

2

Ruim

Apesar da narrativa irregular e falta profundidade, Sombras no Deserto se sustenta como um experimento curioso, ousado e incômodo sobre fé, poder e destino, o que torna o filme um “tropeço interessante”.

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