Na Prateleira | Tully e a necessária desromantização da maternidade

Para o diretor Jason Reitman, a maternidade não é um assunto inexplorado. Em 2007, com o longa Juno, o diretor já iniciava seu trabalho esmiuçando as problemáticas de uma gravidez, com a atuação cativante da atriz Ellen Page. Diferentemente de Juno, no qual uma adolescente precisa lidar com a gestação e seus dilemas, em Tully vemos os conflitos internos de uma mulher madura diante da gravidez não planejada de seu terceiro filho.

Marlo (Charlize Theron) é mãe de duas crianças pequenas e está grávida da terceira. Seu marido, Drew (Ron Livingston) é um pai carinhoso, mas totalmente alheio à sobrecarga de tarefas que recai sobre a esposa. Diante da rotina estafante de cuidar de uma recém-nascida, da casa e dos outros filhos, Marlo decide aceitar um presente inusitado de seu irmão mais velho: a ajuda da babá noturna Tully (Mackenzie Davis). Durante as visitas da babá, Marlo passa a revisitar seu passado para compreender melhor sua situação atual.

Se anteriormente, Reitman trabalhou temas como gravidez na adolescência, aborto e adoção, em Tully ele aborda de maneira crua uma fase delicadíssima de uma mulher recém-parida: o puerpério. Durante os três primeiros meses de vida do bebê, Marlo alcança o ápice de seu cansaço e frustração pessoal, presa à uma rotina estafante e solitária de cuidados com as crianças e a casa. Um trabalho de montagem incrível de Reitman nos faz entender e empatizar com a personagem, que vive um paralelo comovente entre amor pelos filhos e desapontamento com a vida de esposa e mãe. Uma quebra mais que necessária no estereótipo idealizado socialmente do que uma mulher deve sentir e fazer ao se tornar mãe.

 

A mudança no aspecto físico da atriz também chamou atenção. Charlize Theron ganhou 23 quilos para interpretar a personagem Marlo.

 

A chegada da babá Tully traz um respiro de vida à protagonista, que volta a ter mais esperança em si própria e nos filhos. A roteirista do longa, Diablo Cody, faz um trabalho excepcional, direcionando a protagonista para uma jornada belíssima de resgate de identidade e superação de situações limite. Para ser uma boa mãe, Marlo deve buscar seu bem estar físico e mental, o que lhe é tirado pela sobrecarga de tarefas, situação ainda muito comum na rotina de mães do mundo todo.

Tully é um retrato honesto, engraçado e comovente da maternidade que não aparece nas novelas e nem nos comerciais de fraldas. Um serviço de Reitman à uma sociedade que ainda teima em acreditar em uma figura materna imaculada e desprovida de ambições pessoais.