Crítica | Se a Rua Beale Falasse e o amor como sinônimo de resistência

O diretor Barry Jenkins já provou que sua forma de fazer cinema se assemelha ao processo criativo de um poeta. Com o longa Moonlight — Sob a Luz do Luar (ganhador do Oscar de Melhor Filme de 2017), o norte-americano impressionou o mundo contando dramas da vida real com lirismo e beleza desconcertantes. Já em seu mais novo filme, Se a Rua Beale Falasse, presenciamos uma potência narrativa menor, mas ainda sim uma obra repleta de sentimentos e mensagens relevantes.

Baseado no romance de James Baldwin, o longa acompanha a trajetória de Tish (Kiki Layne), uma jovem moradora do Harlem que está grávida de seu namorado, Alonzo (Stephan James). Quando ele é preso injustamente acusado de estuprar uma mulher, ela e sua família não medem esforços para tirá-lo da prisão e trazê-lo de volta para presenciar o nascimento do filho.

Assim como fez em Moonlight, aqui Jenkins coloca em evidência os laços afetivos e as conexões humanas. O romance entre Tish e Alonzo é o motor sentimental do longa, mas ele jamais esquece das relações familiares e como elas são importantes para dar suporte a alguém em momentos de grande sofrimento e dificuldade. Já o amor romântico entre os protagonistas se torna sinônimo de resistência, uma vez que a união de ambos é impedida não por famílias rivais que se detestam ou ex- namorados (as) malucos (as) que os perseguem, mas sim por uma chaga histórica que permeia todas as relações sociais possíveis até os dias atuais: o racismo.

Abordando as desigualdades raciais como poucos no cinema, Jenkins mostra as consequências do racismo estrutural que predomina em instituições de poder (como a polícia e o sistema carcerário dos EUA) nas vidas de pessoas comuns. Pouco a pouco, entre flashbacks felizes e esperançosos de Tish e Alonzo, testemunhamos uma luta desgastante por justiça que drena vagarosamente a vitalidade dos personagens. Mesmo assim, o sonho em reunir a família e viver a felicidade roubada nunca desaparece, deixando o espectador sempre na expectativa, mas com um gosto amargo na boca que não passa.

 

O longa está sendo indicado aos prêmios de Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Trilha Sonora e Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar 2019.

 

O trabalho do cast é excepcional. Kiki Layne enche a tela com uma interpretação repleta de ternura, timidez e sensibilidade. Afoita por viver um amor interrompido, ela busca pelas forças necessárias para constituir a família que sempre quis em suas próprias  memórias e em seu filho ainda por nascer. Já o personagem Alonzo carrega na carne o peso da desigualdade, variando de forma comovente entre a raiva pela própria situação, o amor pela família e a esperança em refazer a vida que lhe foi roubada.

Destaques para Regina King e Aunjanue Ellis, que dão vida às mães dos protagonistas. Com forças diferentes, elas impressionam pela ferocidade com a qual defendem seus próprios filhos e a si próprias de um mundo gratuitamente hostil.

Mesmo com uma quantidade excessiva de cenas simbólicas e poéticas (marinando por demais o desenrolar da trama), Se a Rua Beale Falasse tem muito a dizer sobre o amor e seu poder diante das piores faces do preconceito. Não deve ser perdido.

https://www.youtube.com/watch?v=KuR-aPE-w8Y

4

Ótimo

Mesmo com uma quantidade excessiva de cenas simbólicas e poéticas (marinando por demais o desenrolar da trama), Se a Rua Beale Falasse tem muito a dizer sobre o amor e seu poder diante das piores faces do preconceito. Não deve ser perdido.