Inspirado nas memórias da atriz e apresentadora Tetsuko Kuroyanagi, Totto-Chan: A Menina na Janela transcende o rótulo de simples animação para se firmar como um delicado tratado sobre a infância, a educação e a capacidade humana de encontrar beleza mesmo nas circunstâncias mais devastadoras. A narrativa nasce de uma lembrança íntima e pessoal — a experiência de Kuroyanagi na escola Tomoe Gakuen — mas se torna universal ao tocar em sentimentos que ultrapassam gerações: curiosidade, liberdade e empatia. Não por acaso, a produção conquistou a crítica internacional, recebeu o prêmio especial no prestigiado Festival de Annecy e foi indicada ao Prêmio da Academia Japonesa de Cinema como Melhor Animação do Ano, consolidando-se como um dos filmes mais sensíveis e impactantes da animação contemporânea.
A história se passa durante o período turbulento da Segunda Guerra Mundial, um pano de fundo que contrasta com a luz e a imaginação que emanam de Totto-Chan, uma menina de sete anos expulsa de uma escola tradicional por ser considerada “problemática”. A chegada à Tomoe Gakuen, instituição liderada por um diretor que acredita no potencial criativo e emocional das crianças, transforma a trajetória da protagonista em uma jornada de autodescoberta e ternura. Em meio à insegurança da guerra, Totto-Chan encontra acolhimento, amizade e aprendizado — especialmente na relação com Yasuaki, um garoto com poliomielite que simboliza a fragilidade e a força que coexistem na infância. Cada gesto, cada conversa e cada olhar revelam um profundo humanismo, tão raro no cinema atual.
O contexto histórico dá à narrativa um tom de melancolia inevitável, mas Shinnosuke Yakuwa, conhecido por seu trabalho em Doraemon e o Nascimento do Japão, conduz o filme com uma sensibilidade que evita o sentimentalismo fácil. Sua escolha pela animação 2D tradicional é um gesto de resistência artística — uma reafirmação da beleza do traço manual em tempos dominados pela computação gráfica. É por meio desse estilo que Yakuwa captura a essência dos sentimentos humanos com delicadeza quase etérea: o brilho curioso nos olhos de Totto-Chan, o sorriso tímido de Yasuaki, o olhar compreensivo do diretor da escola. Cada quadro parece pulsar vida, e é justamente nesse detalhe que reside o poder do filme.
A trilha sonora de Yûji Nomi, compositor de Sussurros do Coração e O Reino dos Gatos, amplifica a poesia visual da obra. Suas melodias suaves conduzem o espectador a um estado contemplativo, acompanhando os altos e baixos emocionais de Totto-Chan sem jamais se sobrepor à narrativa. O som, aqui, funciona como um eco das memórias — como se cada nota musical fosse um pedaço da infância que resiste à passagem do tempo. O resultado é uma experiência cinematográfica de rara harmonia entre imagem, som e emoção, evocando o espírito dos grandes mestres do Studio Ghibli, mas com uma identidade própria, profundamente ancorada na realidade histórica e na biografia de Kuroyanagi.
Totto-Chan: A Menina na Janela é uma ode à educação, à imaginação e à inocência como formas de resistência. Tetsuko Kuroyanagi escreveu suas memórias no fim dos anos 1970 como uma tentativa de inspirar crianças a reencontrarem o prazer de aprender. Hoje, décadas depois, a animação de Yakuwa resgata essa mensagem com uma força renovada, lembrando que a infância — mesmo em meio ao caos — é capaz de reinventar o mundo. Em tempos de incerteza, Totto-Chan surge como um lembrete de que ainda é possível olhar pela janela e ver esperança.
Totto-Chan: A Menina na Janela é uma das animações mais bonitas e sensíveis do ano — uma obra que combina emoção, delicadeza e profundidade com a naturalidade de quem entende que o cinema é, antes de tudo, um espelho da alma. Um filme que fala às crianças, mas emociona os adultos. E que reafirma, com sutileza e ternura, o poder transformador da empatia em um mundo que, por vezes, se esquece de ser humano.
Com distribuição da SATO Company, Totto-Chan: A Menina na Janela chega no dia 9 de outubro nos cinemas.
ÓTIMO
Uma obra que combina emoção, delicadeza e profundidade com a naturalidade de quem entende que o cinema é, antes de tudo, um espelho da alma. Um filme que fala às crianças, mas emociona os adultos.