Em um panorama cinematográfico onde o terror frequentemente se apoia em sustos visuais e efeitos gráficos grandiosos, Ruídos (Noise) surge como uma lufada de ar inquietante e quase hipnótica. Dirigido pela estreante Kim Soo-jin, o longa-metragem coreano chega aos cinemas brasileiros após um estrondoso sucesso na Coreia do Sul, onde levou mais de um milhão de espectadores às salas em 2024. Em vez de recorrer a monstros explícitos ou cenas sangrentas, Soo-jin escolhe um caminho mais sutil e perturbador: o do som. Aqui, o medo não nasce do que se vê, mas do que se ouve — e, muitas vezes, do que não se consegue identificar.
A trama acompanha Ju-young, interpretada com impressionante sensibilidade por Joo-young, uma jovem com deficiência auditiva que se vê mergulhada em um pesadelo quando sua irmã desaparece misteriosamente. O detalhe mais angustiante é que o último contato entre elas aconteceu no próprio apartamento de Ju-young, um espaço que, a partir daí, passa a ser invadido por ruídos inexplicáveis e presenças invisíveis. O roteiro se constrói em torno dessa experiência sensorial e psicológica, criando uma narrativa que é, ao mesmo tempo, um estudo sobre a solidão e uma reflexão sobre a percepção humana. O som, nesse contexto, deixa de ser apenas um elemento técnico: ele se torna um personagem essencial, uma entidade viva que oprime e conduz o espectador ao limite do desconforto.
O que realmente eleva Ruídos acima da média dos terrores contemporâneos é o seu extraordinário design de som. Cada ruído, cada vibração, cada silêncio parece calculado para provocar uma reação física. O espectador não apenas assiste ao filme — ele o sente. Kim Soo-jin e sua equipe de som constroem uma experiência imersiva em que o medo não é entregue, mas insinuado, e o silêncio é tão poderoso quanto o grito. Não à toa, relatos vindos do set de filmagem contam que sons estranhos e inexplicáveis surgiram durante as gravações, sem qualquer origem identificada, o que apenas reforçou a aura sobrenatural da produção. É esse tipo de lenda que transforma Ruídos em mais do que um filme: ele se torna uma experiência compartilhada entre o real e o imaginário.
As atuações sustentam com vigor o peso emocional da história. Lee Sun-bin, Han Soo-a e Kim Min-seok entregam performances contidas, mas intensas, que jamais caem no exagero. Todos parecem compreender o tom minimalista proposto por Kim Soo-jin, em que o verdadeiro terror nasce da tensão e não da exposição. O visual do longa, marcado por uma paleta fria e quase monocromática, amplifica o sentimento de isolamento, enquanto a câmera, frequentemente estática, obriga o espectador a observar com desconfortável atenção, esperando — e temendo — o próximo som.
Ruídos é, portanto, uma afirmação poderosa da maturidade do cinema de terror coreano, que já há alguns anos demonstra domínio absoluto da tensão psicológica e da estética sensorial. Em um ano repleto de produções marcantes vindas de Hollywood, o longa de Kim Soo-jin chega para mostrar que o medo pode falar em qualquer língua — e, neste caso, pode até ser ouvido em frequências que a mente humana não compreende totalmente. Ruídos é uma experiência sensorial que convida o espectador a mergulhar naquilo que o som pode esconder.
Distribuído pela A2 Filmes, Ruídos estreia amanhã nos cinemas brasileiros.
ÓTIMO
Ruídos é uma experiência sensorial que convida o espectador a mergulhar naquilo que o som pode esconder.