Luca Guadagnino é um dos diretores mais fascinantes de sua geração, e em Queer, ele retorna ao universo do desejo, da solidão e das conexões humanas com uma força rara. Inspirado no romance de William S. Burroughs, o filme, que o próprio cineasta descreve como o projeto dos seus sonhos, carrega a assinatura característica do diretor: uma combinação de beleza visual arrebatadora e profundidade emocional devastadora. Entretanto, Queer não emerge incólume dos desafios que o cercam, especialmente no que tange à sua edição — um corte significativo que o reduziu de três horas para 2h15 compromete a coesão narrativa, principalmente no ato final. Apesar disso, o filme brilha como uma obra sensível e poderosa, digna de ocupar um lugar de destaque no panteão do cinema LGBTQIA+.
Apresentado em capítulos — um dispositivo que deveria dar à narrativa uma estrutura clara, mas acaba evidenciando o material ausente — Queer oferece ao espectador apenas dois capítulos e um epílogo. Esse formato, que certamente fazia mais sentido em sua versão original, dá a impressão de que parte da jornada emocional e narrativa foi suprimida. Mesmo assim, o que permanece é suficientemente impactante para captar a atenção do público, graças à maestria de Guadagnino em traduzir estados emocionais complexos através de visuais e performances excepcionais.
Ambientado na década de 1950, o filme nos apresenta William Lee, interpretado magistralmente por Daniel Craig. Lee, um expatriado americano vivendo na Cidade do México, é um homem atormentado pela solidão e por seus vícios, um reflexo de sua tentativa de preencher o vazio que o consome. Craig, em uma atuação digna da recente indicação ao Globo de Ouro, abandona as personas carismáticas e afiadas de James Bond e Benoit Blanc para encarnar um homem frágil, vulnerável e em busca de conexão. Quando Lee conhece Eugene Allerton, vivido por Drew Starkey, um jovem ex-militar igualmente perdido, a dinâmica entre os dois cria uma alquimia que é ao mesmo tempo dolorosa e fascinante. Starkey, com sua juventude inquieta e sua abertura ao novo, contrasta lindamente com o desespero contido de Craig, tornando a relação entre os dois o coração pulsante do filme.
A parceria de Guadagnino com o diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom, que já havia encantado em Me Chame Pelo Seu Nome, brilha novamente aqui. A recriação da Cidade do México dos anos 1950 é meticulosa, transportando o espectador para ruas de paralelepípedos, bares esfumaçados e quartos de hotel melancolicamente iluminados. Cada quadro é uma pintura viva, enriquecida ainda mais pela trilha sonora sublime de Trent Reznor e Atticus Ross, que mistura melancolia e tensão de forma magistral.
Contudo, Queer perde parte de sua força ao migrar para a América do Sul no segundo ato. A busca de Lee e Eugene por uma erva com supostos poderes telepáticos introduz uma camada quase surreal à narrativa, mas falta a profundidade e o ritmo necessários para sustentar essa mudança de tom. É nesse ponto que os cortes parecem mais evidentes, comprometendo a coesão da trama e deixando o espectador com a sensação de que algo vital foi deixado de fora. O final melancólico, no entanto, resgata parte do impacto emocional, encerrando a obra com uma nota agridoce que ecoa longamente após os créditos subirem.
No fim, Queer é um filme que desafia e cativa, uma obra que explora os recantos mais sombrios e belos da alma humana. Embora prejudicado por decisões de edição, ele se destaca como um testemunho da visão artística de Luca Guadagnino, da excelência performática de Daniel Craig e da capacidade do cinema de traduzir as complexidades do desejo e da solidão em imagens inesquecíveis. É exuberante, melancólico e, acima de tudo, humano.
Com distribuição da Paris Filmes e MUBI, Queer estreia amanhã nos cinemas.
BOM
Queer é um filme que desafia e cativa, uma obra que explora os recantos mais sombrios e belos da alma humana. Embora prejudicado por decisões de edição, ele se destaca como um testemunho da visão artística de Luca Guadagnino, da excelência performática de Daniel Craig e da capacidade do cinema de traduzir as complexidades do desejo e da solidão em imagens inesquecíveis.