A Netflix surpreendeu em 20 de agosto com a estreia de Pssica, minissérie nacional dirigida por Quico Meirelles e que conta com um episódio sob a batuta de Fernando Meirelles, indicado ao Oscar por Cidade de Deus. Com apenas quatro episódios, a produção mergulha em um turbilhão de drama e ação ambientado na região Norte do Brasil, mais precisamente em Belém, no Pará, onde a força da natureza e a brutalidade humana se entrelaçam de forma visceral. O resultado é uma experiência audiovisual que mistura denúncia social, violência crua e poesia trágica, consolidando Pssica como uma das grandes produções nacionais lançadas no streaming em 2025.
Uma adaptação que valoriza o Norte do Brasil
Baseada no livro homônimo de Edyr Augusto, Pssica dá vida a personagens que carregam em si as marcas da violência e do abandono social. A escolha de filmar em Belém não apenas confere autenticidade à narrativa, mas transforma a cidade em um personagem vivo, onde os rios da Amazônia Atlântica se tornam palco de perseguições, crimes e encontros fatais. A trama acompanha Janalice (Domithila Cattete), uma jovem sequestrada pelo tráfico humano; Preá (Lucas Galvino), um criminoso que luta contra seu destino como chefe de uma gangue de “ratos d’água”; e Mariangel (Marleyda Soto), uma mulher consumida pela sede de vingança após perder sua família. O fio condutor que une todos eles é a “pssica” — uma maldição que paira como metáfora para a inevitabilidade do sofrimento e da violência que assombra a região.
Ecos de Cidade de Deus na Amazônia
Não é à toa que Pssica já tem sido comparada a um “Cidade de Deus em Belém do Pará”. A narrativa fragmentada, que conecta histórias paralelas em um mosaico de violência e sobrevivência, remete diretamente à estética que consagrou Fernando Meirelles em 2002. Aqui, a montagem ágil e a fotografia pulsante intensificam a sensação de caos urbano transportada para os rios amazônicos. O que vemos é um retrato cru de personagens que oscilam entre ser vítimas e algozes de um ciclo interminável de dor e brutalidade. O diferencial está na ambientação: a selva e as águas amazônicas potencializam a atmosfera sufocante e quase mística que envolve a minissérie.
Ritmo alucinante e atmosfera sufocante
Com apenas quatro episódios, Pssica é construída de forma a ser devorada de uma só vez. Quico Meirelles demonstra segurança ao transformar a paisagem paraense em palco de ação eletrizante e de uma tensão quase insuportável. As cenas de perseguição nos rios, o uso da floresta como refúgio e armadilha e o clima úmido e sombrio da região criam um retrato tão realista que o espectador sente quase o peso da umidade e da violência que consome os personagens. É uma série que respira urgência, com episódios que exigem fôlego, mas também pedem atenção para seus momentos de silêncio carregados de significado.
Elenco em atuações viscerais
Um dos maiores trunfos de Pssica está em seu elenco. Domithila Cattete entrega uma Janalice dilacerante, capaz de transmitir em olhares e gestos todo o medo, a dor e a vulnerabilidade de uma jovem vítima de exploração, abandono e assédio. Marleyda Soto, como Mariangel, carrega uma força devastadora em sua jornada de vingança, tornando sua narrativa um dos pontos mais emocionantes da minissérie. Já Lucas Galvino cria em Preá uma figura ambígua, dividida entre a tentativa de escapar do destino criminoso e a obsessão doentia por Janalice. Não há mocinhos em Pssica: todos os personagens estão corrompidos de alguma forma, e é justamente essa complexidade moral que torna a série tão poderosa.
Falhas e acertos na reta final
Se os dois primeiros episódios impressionam pela intensidade, os capítulos finais perdem um pouco do fôlego com a inserção de personagens secundários que, em alguns momentos, inflacionam a narrativa. Ainda assim, o desfecho é impactante e profundamente simbólico, oferecendo um dos finais mais belos e dolorosos do audiovisual brasileiro recente. Pssica pode até perder ritmo, mas não perde relevância. Sua conclusão reforça a ideia de que a maldição que assombra os personagens não é sobrenatural, mas sim fruto de um sistema que condena vidas ao abandono e à violência estrutural.
Pssica: uma das grandes produções nacionais da Netflix
Em tempos em que o streaming busca diversidade de narrativas, Pssica se destaca não apenas como entretenimento, mas como denúncia social. Ao escancarar temas como tráfico humano, exploração sexual, violência urbana e abandono estatal, a minissérie coloca o espectador diante de uma realidade dura e urgente. A força da produção está em transformar o drama regional em um retrato universal sobre desigualdade, opressão e sobrevivência. Sem dúvida, Pssica é uma das melhores séries brasileiras lançadas nos últimos anos e prova que o Brasil pode entregar histórias com a mesma potência narrativa que marcou clássicos como Cidade de Deus.
ÓTIMO
Pssica se destaca não apenas como entretenimento, mas como denúncia social. Ao escancarar temas como tráfico humano, exploração sexual, violência urbana e abandono estatal, a minissérie coloca o espectador diante de uma realidade dura e urgente.