O novo filme dirigido por Gabriel Mascaro faz críticas ao etarismo em uma distopia recheada de subjetividade e poesia visual. Criar um mundo distópico requer criatividade, principalmente dentro do audiovisual, onde o recurso é constantemente explorado — e muitas vezes de forma genérica. Claro, existem brilhantes e provocantes exceções, como Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón. Seguindo linha parecida, O Último Azul busca mostrar, a partir do olhar do pernambucano Gabriel Mascaro, uma jornada de busca pela liberdade em um Brasil assombrado pelo etarismo e pelo capitalismo.
Aqui acompanhamos a vida de Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos que trabalha em uma indústria frigorífica no Amazonas. Apesar de muitos lhe dizerem para descansar, leva uma vida simples e trabalhadora — até ser convocada por agentes do governo a se mudar para uma colônia habitacional destinada a idosos.
Essas colônias foram criadas como método de “limpeza geracional”: idosos a partir de 80 anos eram recolhidos para não interferirem na vida dos mais novos, que não precisariam abandonar seus trabalhos para cuidar deles. Entretanto, uma nova regra reduz a idade mínima para 75 anos, obrigando Tereza a se transferir para o abrigo. Sabendo que seus últimos dias de liberdade estão chegando ao fim, ela decide embarcar em uma jornada para realizar o sonho de viajar de avião.
Durante a travessia, Tereza encontra o caracol baba-azul, que, segundo lendas locais, ao pingar sua gosma azul neon nos olhos, permite ver o futuro e acessar partes obscuras do próprio ser.
Explorando os rios da região, O Último Azul vai além da fuga individual: transforma-se em uma jornada sensorial que utiliza o misticismo para refletir sobre o preço de viver em uma sociedade capitalista e a importância da liberdade.
O roteiro não entrega respostas fáceis. De maneira inteligente e sutil, constrói a liberdade de Tereza como um ato íntimo de rebeldia contra um sistema opressor, cujo único interesse é o lucro — abandonando qualquer humanidade em relação aos mais vulneráveis.
A fotografia de Guillermo Garza funciona quase como um personagem ativo. Com enquadramentos naturalistas e o cenário estonteante do Amazonas, conhecemos mais sobre Tereza a partir de seus silêncios e da forma como se relaciona com as pessoas em sua jornada.
Um exemplo é Cadu (Rodrigo Santoro), um banqueiro que veste uma personalidade fria e autoritária, mas esconde vulnerabilidade e busca por sentido. Outro destaque é Roberta (Miriam Socarrás), vendedora de bíblias digitais, que constrói com Tereza uma relação única.
Trata-se de uma distopia brasileira que reflete sobre o etarismo na sociedade contemporânea, com roteiro que foge das respostas óbvias ou “mastigadas”. O objetivo é usar a arte como ferramenta de pensamento crítico, reconhecendo nossas fragilidades humanas dentro de um sistema que oprime e nos enxerga como peças descartáveis.
Se será o filme a representar o Brasil na corrida do Oscar 2026 ainda não sabemos. Mas, independente da escolha, o que permanece em O Último Azul é a certeza de que o cinema brasileiro segue produzindo poesia visual e se consolidando como uma das cinematografias mais autorais e únicas do mundo.
O Último Azul já está em cartaz nos cinemas.
Muito bom
Com fotografia impactante e narrativa intimista, O Último Azul é a prova de que o cinema brasileiro persiste em fazer poesias visuais.