O cinema esportivo sempre teve um espaço especial no imaginário popular. Desde Rocky até O Vencedor, essas histórias não são apenas sobre ringues, mas sobre os fantasmas internos que todo atleta enfrenta. Em Coração de Lutador – The Smashing Machine, dirigido por Benny Safdie, conhecemos a ascensão meteórica e a queda dolorosa de Mark Kerr, um dos pioneiros do MMA no fim dos anos 90, interpretado por Dwayne “The Rock” Johnson em sua performance mais poderosa até hoje.
Mark Kerr foi uma das maiores promessas das artes marciais mistas, mas seu caminho brilhante foi atravessado por dilemas pessoais e um vício em opioides que o corroía silenciosamente. O longa não é apenas um retrato esportivo; é um mergulho profundo no psicológico de um homem que lutava contra si mesmo. Safdie constrói um arco narrativo que mostra como as vitórias no octógono se tornavam insignificantes diante das derrotas fora dele. Essa abordagem confere ao filme uma dimensão quase trágica, colocando Kerr ao lado de figuras reais e da ficção que sucumbem ao peso de seus próprios demônios.
Uma das maiores virtudes de Coração de Lutador – The Smashing Machine é sua autenticidade. Safdie convocou lutadores profissionais como Roberto Cyborg Abreu, Ryan Bader e Igor Vovchanchyn para compor os adversários de Kerr, recriando confrontos do período entre 1997 e início dos anos 2000. As cenas de luta impressionam pelo realismo: os socos soam secos, os chutes reverberam com impacto, e o espectador quase sente o ar sendo expulso do corpo de cada golpe. Dwayne Johnson, submetido a um rigoroso treinamento, entrega um corpo transformado e gestos convincentes, muito distantes do espetáculo exagerado de suas franquias de ação e de sua fase no WWE.
Se as batalhas dentro do octógono são intensas, fora dele são devastadoras. A relação de Kerr com sua companheira Dawn (vivida por Emily Blunt) se torna um segundo campo de guerra. Blunt entrega uma performance magnética: ora amorosa, ora cruel, carregada de nuances que tornam Dawn uma força de sustentação e destruição. Mascando chicletes de forma irritante, explosiva em seus rompantes e ainda assim carinhosa nos momentos mais sombrios, sua personagem simboliza a linha tênue entre amor e ruína. É nesse embate doméstico que o filme encontra seu coração, tornando-se mais universal e menos dependente da familiaridade do público com o MMA.
Safdie, vencedor do Leão de Prata de Melhor Direção em Veneza, comprova que sua assinatura está em capturar a tensão do cotidiano com uma visceralidade que beira o documental. Em Coração de Lutador – The Smashing Machine, ele transita entre a arena ensurdecedora e os silêncios carregados da vida íntima de Kerr. Esse contraste reforça a ideia de que a luta nunca cessa — apenas muda de cenário. O espectador sente a claustrofobia de um homem que é ao mesmo tempo gigante e frágil, uma montanha cercada de rachaduras.
Se há algo que ficará marcado é a transformação de Dwayne Johnson. Conhecido por seu carisma e físico imponente, aqui ele se despe da persona de astro para se entregar ao drama com uma vulnerabilidade inédita. Johnson interpreta Kerr como um “gigante gentil”, incapaz de nomear seus demônios, mas que os carrega em cada olhar, em cada silêncio pesado. É sua performance mais complexa e humana, capaz de emocionar e angustiar o público. Ao seu lado, Emily Blunt constrói uma personagem à altura, consolidando um duelo interpretativo que sustenta o filme tanto quanto os combates sangrentos.
Com uma recepção calorosa em festivais e aclamação da crítica, não é exagero apontar Coração de Lutador – The Smashing Machine como forte candidato ao Oscar. Johnson pode finalmente conquistar uma indicação inédita, enquanto Safdie solidifica sua reputação como um dos cineastas mais promissores da atualidade. Mesmo sem a certeza de prêmios, o filme já é uma grata surpresa.
Distribuído pela Diamond Films, o longa estreia nos cinemas brasileiros no dia 2 de outubro.
ÓTIMO
Coração de Lutador – The Smashing Machine: Dwayne Johnson brilha no melhor papel da carreira em drama visceral dirigido por Benny Safdie.