Operação Lava Jato, Impeachment e Delação Premiada são termos bastante presentes na mídia nos últimos tempos. Apesar de ser um contexto atual, não é de hoje que o Brasil sofre as consequências de políticos corruptos em seu governo, infestado de pessoas sem escrúpulos e gananciosas desde o momento em que a esquadra de Pedro Álvares Cabral atracou na Bahia em 1500. Pensando nisso, Bruno Mazzeo e o diretor Maurício Farias uniram esforços e criaram a trama da próxima minissérie da TV Globo: Os Filhos da Pátria.
O ano é 1822, especificamente no dia 08 de setembro. Se você conhece pelo menos um pouco da história do Brasil, deve saber que este é o dia seguinte a proclamação de independência de nosso país em relação a Portugal. No Rio de Janeiro instalava-se o caos urbano, com pessoas correndo de um lado para o outro buscando mudanças e soluções para todos os problemas, ao mesmo tempo que portugueses tentavam, a todo custo, retornar para o que um dia foi sua metrópole. Em meio a bagunça está a família de Geraldo Bulhosa (Alexandre Nero), um funcionário público lusitano do Paço Imperial, arrastado para tarefas desonestas e perigosas pela influência de Pacheco. Acostumado a enfrentar papéis enigmáticos e imponentes, Nero encarou seu primeiro trabalho de humor na TV, mas garantiu estar muito à vontade com a comédia e com a desenvoltura de seu personagem. Apenas pelas cenas do primeiro capítulo já podemos comprovar essa tranquilidade, e o ator introduziu de maneira excelente a figura do português
“Eu já havia trabalhado com humor, as pessoas é que nunca me viram fazendo, mas o humor é muito minha praia. O humor é o que nos sobrevive fora da televisão, é o que faz as pessoas (…) Sempre fazem os bandidos como personagens caricatos, mas são pessoas comuns. É um pai de família que fala mil coisas maravilhosas e é íntegro. Por que ele se corrompe? Porque é fácil”
Quando questionado sobre o relacionamento com Fernanda Torres, o ator foi só elogios.
“Foi muito divertido, ela é muito engraçada. É um Dínamo 220v e uma gentileza de pessoa. Ela é um ícone da televisão, então nós sempre ficamos ressabiados quando vamos trabalhar com alguém que não conhecemos, não sabemos como é o trato. E Fernanda Torres é uma potência de atriz!”
Além de todo o drama envolvendo sua profissão, Bulhosa é obrigado a lidar com os problemas dentro de casa – principalmente os que envolvem sua esposa Maria Teresa (Fernanda Torres), uma mulher geniosa e extremamente vaidosa quando se trata da imagem que possam vir a ter de sua família, protegendo sempre as tradições da alta sociedade. Disposta a usar a filha Catarina (Lara Tremouroux) para sair da pobreza, ela é típica imagem da mulher rica sem um tostão no bolso, sem ligar para os sentimentos e vontades da menina quando se trata de escolher um pretendente. Fernanda Torres dá um show de atuação e rouba a cena logo nos primeiros minutos.
Ao lado dos filhos Catarina e Geraldinho (Johnny Massaro), o casal Bulhosa é mais clássico exemplo do “jeitinho brasileiro”, utilizando-se das mais diversas estratégias para atingir seu objetivo final. Após a Independência, Geraldo perde o prestígio do cargo oficial e temendo a descoberta de real nacionalidade, se torna refém dos planos de Pacheco (Matheus Nachtergaele). Brasileiro com alma de europeu, o “amigo” de Geraldo é o tradicional malandro, rondando aqueles que possam vir a lhe oferecer algo. É ele que carrega o coitado para seus planos obscuros e recheados de segundas intenções, mesmo que elas possam prejudicar a boa parte da população.
Além de uma performance excepcional, Nachtergaele mostrou durante nossa entrevista que está longe de ser parecido com seu personagem. A inteligência de Pacheco reflete o ator culto que o interpreta, mas diferentemente do que vimos nas telas, é utilizada para um princípio completamente contrário, o de criticar.
“A minha adesão no projeto foi quase imediata e a parte que me cabe nesse latifúndio é encarnar um pouco o mentor de uma corrupção. O Pacheco é o DNA do desamor que nós temos pelo Brasil, e do amor que nós temos pelo dinheiro e pelas práticas exploratórias. A temática me atraiu, mas também é a única possível no sentido político agora. O que aconteceu semana passada foi uma ‘pachecagem geral’, eu acordei muito triste no dia e após ver o primeiro capítulo da série fiquei mais animado, pelo menos com o nosso ofício de poder apontar o dedo para as virtudes e defeitos nossos. A série tem um riso que não esvai o sentido das coisas, não é uma catarse que faz com que os assuntos sejam superados. Filhos da Pátria tem um riso amargo, um riso crítico. Nós rimos de nervoso.”
Jéssica Ellen fez muito sucesso ao interpretar Rose em Justiça, e retorna em Filhos da Pátria no papel da escrava Lucélia. Seu principal objetivo é adquirir sua liberdade, contando com a ajuda do amigo Domingos (Serjão Loroza) e do irmão Zé Gomes (Flávio Bauraqui) para arrecadar a maior quantidade de moedas possíveis. A escrava é o respiro de moral que a série nos oferece, a parte íntegra em meio a tanta coisa errada. Mesmo sendo obrigada a enfrentar situações precárias, a jovem segue seus ideais e luta por seus direitos. Com trejeitos fortes, mas delicados, Jéssica quase desliza pelas cenas e nos oferece um ótimo contraste com a personagem de Fernanda Torres. A atriz ainda comentou um pouco sobre a minissérie e sua personagem:
“A série questiona se há ou não uma questão maniqueísta, que por a Lucélia ser escrava deveria se corromper. O Geraldo por exemplo é um personagem que quando escolhe se corromper, ele sofre com isso. A série tenta tirar a culpa do outro, somos corruptos, e devemos tentar identificar de que forma a gente se corrompe no dia a dia. Coisas que são pequenas, mas que são corrupções. Todos os negros que foram trazidos para o Brasil, praticamente não têm história, eu mesma não sei qual a minha descendência, se eu vim da Nigéria, Angola ou Sul da África. Tenho amigas que sabem que vieram de Portugal ou Itália, mas não tenho isso, porque nós negros não tivemos isso. Eu me vi sem grandes dados para construir essa personagem, inclusive metade das coisas que aprendi para fazer a série, aprendi aqui, e não na escola, porque minha aula de história foi muito simples, superficial, e até hoje vejo reflexos da escravidão na minha vida.”
O elenco conta ainda com Marcos Caruso (Padre Toledo), Letícia Isnard (Leonor), Karine Teles (Madame Dechiré), Aramis Trindade (Delógenes), Saulo Laranjeira (o pai de Geraldo Bulhosa), Adriano Garib (um policial corrupto que formará uma quadrilha com Pacheco e Padre Toledo), Felipe Rocha (Murilo), Vitor Thiré (Paulo Roberto), Ricardo Pereira (Padre Adão), Luís Magnelli (Vasco), Daniela Fontan, Cândido Damm, Greta Antoine, Dida Camero, Isaac Bernat, Josie Antello, Lyv Ziese e Ranieri Gonzalez.
Animado com sua nova produção, o ator e roteirista Bruno Mazzeo comentou um pouco sobre o desenvolvimento e inspiração para a minissérie.
“Muitas vezes quando estávamos escrevendo, nós não pensávamos no hoje, apenas na época, e então íamos vendo como realmente parece com hoje em dia. Existem várias alusões a fatos da nossa política, mas não dá pra dizer exatamente um fato ou pessoa específica. O que vivemos hoje não começou agora, começou desde sempre.
Juntamos tudo, ter mais livros de história hoje em dia, o desejo de falar sobre a nossa essência, nosso DNA. Comecei a trabalhar nisso (a minissérie) há uns três, quatro anos, até ir descobrindo a maneira certa de falar do assunto. Não estamos tentando explicar nada, mas sim levantar algumas questões, nos fazer pensar um pouco. A ideia do seriado é rir, mas também despertar algumas coisas que vivemos tão cotidianamente e acabamos não percebendo.
Pretendemos ter uma sequência, mas a ideia é vermos uma época diferente do país em cada temporada. A independência é apenas um dos recomeços do Brasil.”
A minissérie Os Filhos da Pátria tem 12 capítulos e já pode ser conferida no Globo Play, chegando em setembro na TV Globo.