Ângela Diniz: Assassinada e Condenada
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Ângela Diniz: Assassinada e Condenada | Elenco fala sobre a minissérie da HBO

Ângela Diniz ganhou notoriedade nacional após ser assassinada pelo então companheiro Doca Street, em uma casa de praia em Búzios, no estado do Rio de Janeiro, em dezembro de 1976. O caso ficou famoso não apenas pelo crime em si, mas também pelo julgamento controverso. No primeiro julgamento, ele foi absolvido sob a justificativa de que teria agido em legítima defesa da honra, o que gerou grande indignação e manifestações feministas no país. No segundo julgamento, em 1981, Doca foi condenado a 15 anos de prisão.

A morte de Ângela Diniz se tornou um símbolo da luta contra a violência de gênero e pelo direito das mulheres no Brasil. O caso influenciou mudanças no discurso sobre feminicídio e violência contra a mulher, sendo um marco na história do movimento feminista no país.

Essa história é retratada em Ângela Diniz: Assassinada e Condenada, minissérie baseada no podcast Praia Dos Ossos, que chega em 13 de novembro na HBO e HBO Max. Nós tivemos a oportunidade de assistir aos seis episódios da minissérie e ontem, 11 de novembro, participamos da coletiva de imprensa, que contou com a presença de Marjorie Estiano, Emílio Dantas, Joaquim Lopes, Thiago Lacerda, Yara de Novaes, Camila Márdila, Renata Gaspar, do diretor Andrucha Waddington, de Renata Brandão, CEO e sócia da Conspiração e de Renata Rezende, diretora de produção de ficção da Warner Bros. Discovery. Confira o que rolou nesse bate papo:

Para começar, Marjorie Estiano falou aos jornalistas o que suas pesquisas para trabalhar com essa personagem mudaram em sua própria vida. “Eu acho que as transformações vão se dando ao longo do tempo. Elas não acontecem para mim, pelo menos, de uma hora para a outra. Mas a oportunidade de estudar sobre temas que são coletivos, que são sociais, que são parte integrante de mim, é sempre uma oportunidade de me transformar. É um processo psicanalítico ter feito a Ângela, uma personagem que se dedica ao prazer, que se autoriza ao prazer. É algo muito importante, muito essencial na cultura brasileira. Acho que, de uma maneira geral, mundial. A culpa que nós sentimos, às vezes, muita culpa de sentir prazer, de tirar férias. Culpa de… Não, eu não posso tirar férias, não posso estar me divertindo, eu tenho que estar trabalhando, tenho que estar fazendo outra coisa. E a Ângela era uma figura que se autorizava a se dar prazer, a se oferecer liberdade de viver, não quer conquistar absolutamente nada, empreender absolutamente nada. A beleza de viver, a beleza da vida é viver e só. E isso é um ensinamento muito importante, acho que para todos nós. Eu me identifico muito com essa falta dessa autorização de prazer, de beleza, de liberdade. Para mim, a vida sempre foi muito trabalho. É trabalho, é compromisso, é seriedade. Então, foi uma oportunidade de me experimentar na liberdade, me experimentar na leveza, me experimentar no prazer e isso é muito valioso. Acho que isso é um processo para a vida inteira, é um exercício para a vida inteira e essas conquistas a gente vai conseguindo com o tempo mesmo, com o exercício, ou prestar atenção em como é que você está vivendo, se questionar, refletir”.

Ela continua, “então, foram muitas, muitas coisas que é contar essa narrativa, é viver essa personagem, me trouxeram e continuam me trazendo. Consciência histórica sobre a batalha, a luta pelos direitos das mulheres, a consciência sobre o impacto e a força de uma formação de gênero, de uma sociedade machista. Quando você estuda sobre isso, você começa a enxergar melhor, enxergar melhor a sociedade, enxergar melhor a sua própria vida, as suas relações”.

A atriz revelou que não conhecia a história de Ângela Diniz antes de ser convidada para fazer a minissérie, mas que aceitou por ser um convite de Andrucha Waddington, com quem ela havia trabalhado em Sob Pressão. “Faria o que quer que ele me chamasse, eu só perguntaria quando. E foi assim com a Ângela, eu não conhecia a história da Ângela. Ele me convidou, eu topei, depois eu fui ver o que era. Ele me mandou o podcast, o Praia dos Ossos, que eu fiquei enlouquecida. É um trabalho muito completo, extenso, é uma pesquisa muito rica, que é o trabalho da Rádio Novelo, com a Branca Viana, a Flora, a Sara. Todo mundo é muito apaixonado por esse podcast, eu acho que, inclusive, a gente quer divulgar para quem não ouviu ainda, que possa ouvir também. É, eu acho que a identificação com a temática, em especial, porque é algo que me impacta diretamente, o fato de ser uma violência de gênero, eu não só já sofri inúmeras, como vou continuar sofrendo, porque essa é uma realidade, a gente está aqui justamente tentando trabalhar numa reeducação, em uma transformação de pensamento, de sociedade, mas essas transformações são as mais lentas, a gente consegue comprovar isso de acordo com as leis, a teoria da legítima defesa da honra caiu em 2023. A gente continua tendo que fazer e trazer novas leis de proteção à mulher, o que reflete para mim que a mentalidade não mudou, a gente está precisando das leis, porque a gente continua sendo ameaçada”.

“Acho que o fato de ser tão diretamente impactada é um elemento que me trouxe um engajamento muito grande, mas não só isso, como eu falei, são diversos aspectos, mas o fato da personalidade da Ângela ser muito livre, muito dada ao prazer, a curtir a filha, a praia, os amigos, beber, festa, transar, isso é inédito, inovador, não só para as minhas personagens, mas, de uma maneira geral, as personagens femininas não são construídas para sentir prazer, as personagens femininas estão sempre ali para sofrer. Então, ter uma personagem combativa, protagonista da própria vida e dada ao prazer é absolutamente exceção. Então, foi um privilégio imenso poder fazer e um desafio grande, porque eu faço parte do grupo que pertence a esse cerceamento, do grupo que está sempre brigando para conseguir se expandir, enquanto a personalidade da Ângela era essa expandida, completamente à vontade com o protagonismo. Então, está sendo ainda muito transformador”, completa Marjorie Estiano.

Andrucha Waddington falou um pouco sobre a vontade de contar essa história nas telas, uma história fortemente ligada às discussões sobre o feminismo, mas que também busca trazer a história da vida dessa mulher. “Bom, tinha um grande desafio,que era fazer uma viagem no tempo, a gente voltar à década de 70, tentar da maneira mais realista possível. A gente contou com um elenco maravilhoso. A gente trabalhou muito na mesa,a gente tentou trazer um realismo,ao mesmo tempo um cuidado de retratar a época. Era uma época onde o machismo estrutural era muito violento.Você vê que nenhum dos homens presta. O Tuca é o mais bonzinho, mas, mesmo assim, vocês viram o primeiro episódio, ele na hora H rala o coco. O Ibrahim também, na hora de se assumir,é melhorzinho, mas também…E o Doca é um canalha.A Yara, que faz a Dona Maria, ela tem uma importância ali,ela meio que carimba a sociedade mineira,aquela coisa conservadora mineira.E as amigas do Rio de Janeiro, a gente fundiu várias amigasna Lulu e na Gilda. As amigas que estavam junto com ela, eram mulheres que de certa forma adoravam esse lado exuberantee talvez revolucionário da Angela, que era algo que a sociedade não comportava,não suportava. Não suportava, tanto que ela foi assassinada pelo Doca por um ato absurdo. No julgamento, a tese é que ele foi instrumento de suicídio.Ela usou a mão do Doca como uma arma suicida para se assassinar, para se suicidar”.

“Eu acho, inclusive, que essa questão da tese de legítima defesa da honra, ela pode não existir mais juridicamente desde 2023, mas ela ainda é a base do pensamento, a origem de toda violência de gênero”, completa Camila Márdila. “Acho que é uma série que vai dividir opiniões, inclusive, e deflagrar essa falha. Dividir opiniões em relação ao julgamento sobre a Ângela, porque acho que vai ter muita gente que vai adorar isso e se sentir contemplada e acho que vai reforçar quem tem aquela cabeça de olhar e falar ‘mas ela merecia’. E aí a pessoa morde a própria língua, porque se percebe tendo esse… condenando também essa assassinada. Acho que esse título do assassinada e condenada que vivemos muito em casos de estupro, por exemplo, em tudo que está relacionado à violência de gênero, tem essa base ali introjetada. Acho que a série vai provocar debates nesse sentido e acho que essa complexidade vai ser muito boa da gente sentir, conversar e perceber o público a partir disso”.

“A Marjorie fez uma mulher libidinosa, lascívia, desejosa. Isso é incrível. E é uma libertação para nós, mulheres. Uma libertação. Usar o corpo como quer, usar a roupa do jeito que quer. E isso não significa que estamos fazendo convite para ninguém, para nenhum homem”, disse Yara de Novaes sobre o assunto.

Emílio Dantas, que interpreta o assassino Doca Street, deu uma opinião sobre o lado masculino em relação ao assunto. “vemos um fato que aconteceu há 49 anos e pensamos ‘poxa, até hoje’. Mas também acho que é necessário entender, colocar essas datas lado a lado. Entender que esse Doca hoje estaria no Congresso. Esse Doca hoje teria uma equipe de marketing agindo junto com ele. Porque o máximo do avanço tecnológico ali era você televisionar o julgamento e apelar com o melhor advogado que fosse. Mas acho que é importante também entendermos que essa Ângela, quem seria ela hoje, não é só um atraso no nosso comportamento. Essa Ângela hoje estaria sendo muito mais massacrada na internet, na vida, no que quer que fosse. Não fazer só o caminho de lá para cá, fazer o caminho de cá para lá também e entender no que isso carreta”.

Thiago Lacerda completou o pensamento do colega de elenco, “tem um aspecto interessante, para pegar o gancho do Emílio.Eu acredito que a série é uma oportunidade de reflexão, mais uma, a respeito dessa relação do dia a dia, de opressão, de imposição autoritária do patriarcado. E, de uma certa maneira, esse retorno a uma história de 49 anos é uma forma de nós compreendermos que tudo isso não caiu do céu. A gente vem de algum lugar. Eu acho que compreender toda essa circunstância e projetar como seria hoje essa história, no aqui e agora, de uma certa maneira é uma oportunidade de nós compreendermos melhor esse lugar em que nós estamos e imaginar um pouquinho o que vem pela frente também. Então, acho que essa luta é uma luta cotidiana, ela não cessou, mudou para outro lugar, ela se transforma e ela ainda faz parte do presente, isso é muito impressionante. E a história da Ângela precisa ser contada para que nós não nos esqueçamos desse aspecto da nossa natureza, da nossa cultura, desse lugar que nós habitamos”.

Basicamente, toda a equipe da série tem o desejo de que as pessoas conheçam quem foi Ângela Diniz e sua história, mas que discussões sejam levantadas para que essa história pare de se repetir com tanta frequência.

Renata Brandão contou como foi o processo de produção de Ângela Diniz: Assassinada e Condenada e sobre os desafios de se fazer uma série de época. “É uma busca por a fidelidade dessa fotografia, de retratar aquela época. Acho que tem por trás um trabalho maravilhoso do Claudinho Amaral Peixoto, diretor de arte, do Marcelo Piz, figurinista, a fotografia do Yang. Como a o Andrucha falou, é um time. Eu acho que é um trabalho profundo, de estudo, de retratação. De fato, era um Rio de Janeiro muito sedutor, em contraste com uma BH conservadora, firme, mas, ao mesmo tempo, também, ela já tinha essa origem afortunada, era bem casada, aos olhos daquela sociedade, tinha patrimônios e convivia em clubes. Também tivemos esse desafio de retratar essa riqueza daquela época e os valores de clubes e helicópteros e carros conversíveis. Obviamente, um desafio de produção, de ir atrás dessa verdade através de um helicóptero daquela época, de um carro daquela época. Acho que uma coisa que nos uniu nessa série foi uma obsessão coletiva por retratar essa verdade. É sempre muito prazeroso fazer produções de época, mas, nesse caso, acho que precisávamos ser muito responsáveis, porque tudo entregava uma mensagem”.

Sua colega Renata Rezende completou, “a Ângela era essa mulher apaixonada pela vida e acho que o visual da série é um visual muito apaixonante. Você entende muito como essa época era uma época musicalmente, visualmente, tudo era muito fascinante. Isso está muito lindamente retratado. Fotografia primorosa, maquiagem, figurino, figuração, uma direção incrível. Isso está lá. E é absolutamente fascinante. Você se entrega… A série é muito menos sobre o crime em si, mas muito mais sobre essa vida dessa mulher e o contexto social onde tudo estava inserido. Então, esse registro é muito importante. Toda essa qualidade e a fidelidade de retratar essa época para nós era uma coisa muito cara, muito importante. A música é um capítulo à parte também. Acho que vocês vão desfrutar bastante”.

“Vai sair playlist, tá?”, brinca Andrucha Waddington. “Rebeca, que está ali, a gente ficou toda a pré-produção no carro vendo locação e separando música. E aí a gente fez quatro, cinco músicas por cena para poder orçar e ver o que cabia. E a gente conseguiu pegar os hits, que todo mundo, quando ouvir, vai lembrar, mas que não são óbvios. Então, a música que tinha no roteiro era o Carcará, que fecha o primeiro episódio, só que a gente precisava de ter muita música, não é, Rebeca? E a gente ficou tardes lá em casa ouvindo, separando, listando. Então, quando a gente foi filmar, a gente já sabia a música. A Warner viu a importância de investir na trilha. Eu acho que é uma coisa super rica, porque tem, desde música brasileira, até músicas internacionais que retratam a época. Então, a trilha incidental está lá fazendo a cama, mas ela tem uma música que é um objeto de cena, ela é um personagem. E eu acho que toda essa viagem no tempo, através da direção de arte, do figurino, estava o tempo todo servindo à dramaturgia. Não tem um plano que está ali porque ele é bonito. Ou ele está servindo à dramaturgia ou ele foi cortado”.

“Falando da cor um pouco também. O tom da série, obviamente, a gente tem uma unidade narrativa visual, mas o tom da série vai mudando também. Sim, o episódio 1 é mais frio, cinza. Chega no Rio de Janeiro, explode a cor. Essa cor vai até Búzios, depois ela volta para aquele clássico frio do início. Búzios nublado, um sol nublado. Búzios nublado, mas levemente colorido. A cor realmente explode no Rio de Janeiro, ela nubla em Búzios, e acho que vem o dark side, o lado obscuro, e o julgamento. Tem uma coisa importante… Tem uma beleza, porque é a beleza através do olhar da Ângela. Como ela estava querendo ver a vida bonita, a praia do Rio de Janeiro, a noite, a vida. Então, pelo olhar dela, a gente vê beleza. Então, tem essa coisa da beleza também em contraste com o que a gente vai sentir, que é o olhar dela, que ela estava ávida pela vida. E de um recorte de classe. Então, a gente tem um Copacabana Palace glamouroso, a gente tem um Ano Novo riquíssimo. A gente testemunha um pouco como era o glamour dessa época, que eu acho que é uma coisa que não cabe mais. Não existe mais”, completa o diretor.

Os dois primeiros episódios de Ângela Diniz: Assassinada e Condenada chegam ao catálogo da HBO Max amanhã, 13 de novembro, seguidos por episódios semanais.

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