Shigurui: Frenesi da Morte – Vol. 2 aprofunda e radicaliza tudo aquilo que o primeiro volume apresentou como promessa: violência não como espetáculo vazio, mas como linguagem narrativa; o corpo humano não como ideal heroico, e sim como matéria frágil, sujeita à dor, ao desejo e à degradação moral. A disputa pela sucessão do dojo Kogan deixa de ser apenas um conflito entre dois espadachins extraordinários e passa a assumir contornos trágicos, quase inevitáveis, como se cada golpe de espada fosse apenas a materialização de forças psicológicas e sociais que já estavam em choque desde muito antes do primeiro duelo.

A relação entre Fujiki Gennosuke e Irako Seigen ganha densidade dramática ao revelar que o embate não se limita à técnica ou à ambição. Fujiki, o discípulo “ideal”, carrega em si a rigidez de um código que o oprime tanto quanto o fortalece. Já Irako surge como a antítese sedutora desse mesmo código: belo, carismático, brilhante, mas também profundamente marcado por traumas e desejos que não encontram espaço em uma sociedade regida por hierarquias brutais. O volume 2 se dedica especialmente a esse passado de Irako, transformando-o de rival arrogante em uma figura trágica, moldada por abusos, humilhações e uma fome quase desesperada por reconhecimento. É aqui que Shigurui deixa claro que não existem heróis — apenas sobreviventes.
No centro desse tabuleiro de horrores está Kogan, o mestre do dojo, cuja insanidade se revela não como excentricidade, mas como símbolo máximo do abuso de poder. Sua figura encarna a autoridade absoluta, capaz de manipular destinos, corpos e afetos como se fossem extensões de sua própria vontade. O romance proibido mencionado na trama não funciona apenas como elemento melodramático, mas como catalisador narrativo: ele expõe a hipocrisia moral do sistema feudal e revela o quanto os personagens estão aprisionados em papéis que lhes foram impostos. Em Shigurui, amar é tão transgressor quanto matar — e, em alguns casos, ainda mais perigoso.
Graficamente, Takayuki Yamaguchi alcança aqui um nível impressionante de precisão e desconforto. Sua obsessão pela anatomia humana extrapola o virtuosismo técnico e se transforma em discurso: ossos quebram, músculos se rompem, rostos se contorcem em expressões de dor e êxtase quase indistinguíveis. Cada cena de combate é construída como um estudo minucioso do movimento e da consequência, onde um único golpe pode encerrar uma vida ou condená-la a uma existência de sofrimento. Não há romantização da espada; há peso, lentidão e um senso quase sufocante de fatalidade. Ler Shigurui é confrontar a violência em sua forma mais crua e honesta.
Essa abordagem dialoga diretamente com o material original de Norio Nanjo, especialmente com o romance Suruga-jou Gozen Jiai, ao mesmo tempo em que Yamaguchi imprime sua própria identidade autoral. O mangá não apenas adapta ou expande o texto literário, mas o interpreta visualmente, explorando nuances psicológicas que só a linguagem dos quadrinhos consegue transmitir com tamanha intensidade. Não por acaso, a obra se destacou na revista Champion Red, onde foi publicada entre 2003 e 2010, conquistando leitores justamente por desafiar expectativas dentro do gênero samurai.
Mais do que um mangá para leitura rápida, Shigurui se apresenta como um objeto de estudo e contemplação. A edição brasileira da editora Pipoca & Nanquim apresenta um glossário detalhado, a cronologia histórica e os textos complementares, incluindo a reflexão de Takayuki Yamaguchi sobre a loucura, enriquecem a experiência e contextualizam o leitor dentro do Japão feudal, ampliando o impacto da narrativa.
Shigurui: Frenesi da Morte – Vol. 2 confirma que estamos diante de um dos retratos mais cruéis e honestos já feitos sobre o universo dos samurais nos mangás. Não há honra sem sangue, nem disciplina sem violência, nem tradição sem sofrimento.
Faça suas compras na AMAZON acessando pelo nosso link. Dessa forma, você contribui para manter nosso site no ar, sem nenhum custo adicional para você. O valor dos produtos continua o mesmo, mas sua ajuda faz toda a diferença.