O Vampiro que Ri – O erotismo e a podridão humana na obra mais provocante de Suehiro Maruo
Suehiro Maruo não é conhecido como o mestre do bizarro por acaso. Desde o início de sua carreira, o autor japonês se tornou uma figura emblemática do ero guro, um subgênero artístico que combina erotismo, grotesco e horror psicológico de maneira única. Em obras como O Estranho Conto da Ilha Panorama e Shojo Tsubaki, Maruo criou um universo visual e narrativo perturbador, povoado por personagens que transitam entre a luxúria, a violência e a insanidade. Agora, O Vampiro que Ri retorna ao Brasil em uma edição impecável da editora Pipoca & Nanquim, dividida em dois volumes, reafirmando o compromisso do selo em trazer ao público brasileiro algumas das obras mais ousadas e provocativas do mangá japonês.

Lançado originalmente entre 1998 e 1999 na revista Young Champion, O Vampiro que Ri nasce em um contexto de efervescência cultural e moralmente decadente do Japão. O país, ainda lidando com as consequências da recessão dos anos 1990, via crescer uma geração desiludida e violenta — um terreno fértil para a mente provocadora de Maruo. O enredo mergulha na vida de jovens estudantes do ensino fundamental que vivem em meio a um ciclo de drogas, prostituição e brutalidade. São personagens que não apenas perderam o rumo, mas parecem ter se descolado de qualquer senso de humanidade. A chegada de um vampiro ancestral, símbolo de um mal que ronda o Japão desde as ruínas de Hiroshima, serve como uma espécie de catalisador apocalíptico — um agente do caos que não apenas suga o sangue, mas expõe as feridas mais profundas da alma humana.
Maruo, com seu traço refinado e perturbador, transforma a violência em arte. Em O Vampiro que Ri, há uma estética da repulsa: cenas de horror e depravação convivem com momentos de beleza melancólica. Uma página pode revelar uma paisagem deslumbrante, um campo florido sob um céu sereno, e logo em seguida um ato brutal — um vampiro se alimentando da inocência perdida de uma jovem. Esse contraste constante é o coração pulsante da obra. Maruo não busca o choque pelo choque; suas imagens são metáforas visuais de uma sociedade em decomposição, um retrato distorcido da juventude japonesa que, em sua alienação, tornou-se tão predatória quanto as criaturas das trevas.
Há em O Vampiro que Ri um diálogo direto com o mito do vampiro — mas filtrado pela ótica da culpa e da autodestruição coletiva. O vampiro de Maruo não é apenas um ser sedento por sangue, mas um espelho das pulsões humanas. Ele representa o desejo incontrolável, a fome pelo proibido, o impulso de destruir aquilo que se ama. Em contrapartida, os jovens que habitam esse universo são figuras vazias, presas em um ciclo de autodestruição tão intenso que acabam se tornando mais monstruosos do que o próprio vampiro. É uma inversão simbólica poderosa: o monstro é humano, e o humano é quem perdeu sua humanidade.
Essa dualidade — entre o belo e o grotesco, o erótico e o repulsivo — é o que torna Suehiro Maruo um artista singular. Seu domínio da anatomia e da composição visual é quase clássico, reminiscente de ilustrações de ukiyo-e e da estética expressionista europeia. No entanto, sob essa superfície meticulosa, pulsa uma crítica feroz à hipocrisia moral, ao vazio existencial e à repressão sexual da sociedade japonesa. Cada quadro de O Vampiro que Ri é uma peça de um mosaico sombrio, onde o horror não é apenas estético, mas também social e filosófico.
Ao final do primeiro volume, o leitor se vê dividido entre fascínio e repulsa — e é exatamente aí que reside a genialidade de Maruo. O Vampiro que Ri é uma obra que desafia o conforto, que provoca e obriga o público a encarar o abismo. Trata-se de um mangá que dialoga com o inconsciente coletivo, com as pulsões reprimidas e as feridas históricas de um Japão que ainda sangra sob suas próprias sombras.
O Vampiro que Ri Vol. 1 é uma reflexão sobre o que resta de humano quando o prazer, a violência e o vazio se confundem em um mesmo corpo. Suehiro Maruo entrega uma narrativa profundamente simbólica, perturbadora e, paradoxalmente, bela. É o tipo de obra que marca, que incomoda, que nos faz rir nervosamente — talvez, como o próprio vampiro do título, rindo de nossa própria decadência.
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