Contagem de Corpos é, sem dúvida, uma das obras mais intensas e visceralmente impactantes do universo das Tartarugas Ninja. Longe das produções mais amenas e voltadas ao público infanto-juvenil que marcaram o início do fenômeno dos heróis mutantes, esta HQ de Kevin Eastman, cocriador das Tartarugas, em parceria com o talentoso Simon Bisley (conhecido por seu trabalho em Lobo e Sláine), mergulha de cabeça em uma violência explícita e sem filtro. Não estamos mais falando das aventuras cômicas de Leonardo, Donatello, Michelangelo e Raphael, mas de uma narrativa crua, recheada de sangue, caos e uma violência intransigente. A escolha de colocar os personagens mais “brucutus” da franquia, Raphael e Casey Jones, no centro dessa história surge como um movimento natural, uma vez que ambos são conhecidos por sua abordagem brutal e impetuosa à justiça. Em Contagem de Corpos, a violência não é apenas um recurso narrativo, mas uma forma de expressão, uma linguagem própria dos filmes de ação que marcaram os anos 80 e 90.
A proposta da HQ não poderia ser mais clara: uma homenagem aos filmes de ação clássicos de John Woo, onde tiros, explosões e sequências de combate são elevados a um nível quase absurdo de adrenalina e exagero. A própria estrutura da obra, com suas páginas repletas de ação desenfreada, faz referência direta a essas produções cinematográficas, em que cada cena parece ser uma competição para ver quem consegue superar o outro em termos de excessos. Kevin Eastman, inspirado pela dinâmica das tramas de ação dessa época, traz à tona uma narrativa que não apenas honra esse estilo, mas também o eleva, usando Raphael e Casey como veículos para uma história de pura diversão – e diversão, no caso, é sinônimo de destruição em massa. É interessante notar como a HQ flerta com a ideia de um “culto da violência” em que a brutalidade é uma forma de entretenimento, e, nesse contexto, o humor ácido dos personagens se torna uma válvula de escape para uma tensão crescente.
Além disso, a parceria entre Eastman e Bisley funciona de forma brilhante, pois ambos são mestres em criar cenários carregados de ação e tensão. O trabalho de Bisley, com seu traço selvagem e exagerado, é o par perfeito para o tom da história, trazendo à tona a essência da violência extrema sem jamais perder o ritmo frenético e visualmente empolgante. O estilo de Bisley, que já foi consagrado por suas contribuições à Lobo, empresta à Contagem de Corpos uma aura de irreverência e agressividade, transformando cada página em um espetáculo de exagero, onde o grotesco e o cômico coexistem de forma quase harmônica. Cada explosão, cada movimento de luta, cada gota de sangue parece uma extensão natural do próprio universo dos personagens, como se estivessem finalmente libertos das amarras do politicamente correto e pudessem ser realmente fiéis à sua essência.
Apesar de sua natureza visceral, a história não perde a conexão com a origem dos personagens. Contagem de Corpos está situada dentro da mitologia clássica das Tartarugas Ninja, aproveitando-se de referências sutis para os fãs mais atentos, mas sem deixar que esses elementos interfiram no fluxo caótico da trama. A trama se desenvolve em um cenário urbano decadente de Nova York, onde uma conspiração criminosa internacional ameaça engolir a cidade, e a dupla de heróis é sugada para o centro dessa trama. A presença de uma femme fatale como Meia-Noite, que os dois heróis acabam ajudando, só adiciona mais camadas à narrativa, proporcionando uma dinâmica ainda mais interessante entre os personagens. A história é simples, mas eficaz: Raphael e Casey, imersos no caos, se vêem diante de uma missão de vida ou morte, em que a ação e a violência tomam conta a cada página virada.
No entanto, é importante destacar que, apesar de ser uma leitura curta, Contagem de Corpos é uma verdadeira explosão de adrenalina. Cada cena de ação é projetada para ser não apenas um momento de violência, mas uma celebração do exagero cinematográfico que dominou os anos 80 e 90. Filmes como Duro de Matar, Assassinos por Natureza e, claro, as obras de John Woo, servem como uma clara inspiração para este quadrinho. A violência aqui não é apenas por si mesma, mas uma forma de estilo, de capturar a essência de uma época em que a ação era exagerada, sem medo de ser excessiva, e onde a linha entre o herói e o vilão se esfumava em um mar de destruição. Em Contagem de Corpos, o humor ácido e as interações cômicas entre Raphael e Casey Jones, duas figuras nada convencionais, só amplificam essa sensação de diversão incontrolável, onde tudo é permitido, desde que seja feito com o máximo de estilo possível.
Por fim, é importante considerar a relevância de Contagem de Corpos dentro do legado das Tartarugas Ninja. Embora este quadrinho não faça parte diretamente da série principal, ele é um reflexo da influência dos filmes de ação que dominaram o imaginário coletivo da época. Ele surge como um respiro, um momento de liberdade para os personagens que, por sua natureza mais explosiva e sem restrições, são naturalmente compatíveis com essa abordagem. É uma obra de nicho, sem dúvida, voltada para os fãs que apreciam uma dose maciça de ação e violência, mas também um tributo para aqueles que sentem falta do tipo de quadrinho que não tem medo de ser ousado, sem se preocupar com a censura ou com as convenções do gênero. Em suma, Contagem de Corpos é uma celebração do caos, da destruição e, acima de tudo, do prazer de ver os heróis mais impetuosos das Tartarugas Ninja entregando-se à ação desenfreada.
Contagem de Corpos, agora disponível em edição pela editora Pipoca & Nanquim, é uma leitura recomendada para aqueles que não têm medo de mergulhar em um universo de sangue, tiros e risadas sarcásticas, enquanto testemunham a violência no seu formato mais irreverente e excessivo.