Lapso
Divulgação
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Lapso mistura magia, gatinhos e caos intergaláctico

A Companhia Das Letras lançou, através da Suma, seu selo de ficção especulativa, a história em quadrinhos nacional Lapso, de Ren Nolasco e Márcio Moreira. Nela, acompanhamos Verônica, uma jovem bruxa desempregada qua vive com Cocota, uma cotia falante cheia de personalidade, que funciona como uma espécie de consciência sarcástica. Ela está tentando alavancar sua carreira de vidente, principalmente pela internet, mas as coisas não andam muito bem. Então, ela compra uma estrela, sim, uma estrela de verdade, que ela usa como um outdoor cósmico para divulgar seus serviços.

Quando sua mãe vê na fatura do cartão de crédito uma estrela parcelada em 10x, dá um ultimato em Verônica: ou ela arruma um emprego de verdade e volta para o cursinho para estudar para o Enem ou terá sua mesada cortada e terá que se virar sozinha. Se ela não arrumar novos clientes e pagar o aluguel atrasado, será obrigada a voltar para a casa da mãe no interior. Essa tensão entre a magia e o mundo prático, entre o desejo de viver da própria vocação e as pressões da vida adulta, está no coração da obra.

Estressada, a garota vai até o mercado e quando as coisas parecem não poder piorar, Verônica atropela Zig, um extraterrestre que parece David Bowie, mas fala com se fosse um dos membros da Jovem Guarda. Zig estudou os humanos, mas o fato dele falar dessa maneira, o faz parecer ainda mais deslocado na Terra. A partir desse encontro, a história entra numa espiral cada vez mais intrigante. Verônica passa a ter sonhos estranhos, experiências de déjà vu e momentos que parecem se repetir, como se estivesse presa em um loop temporal. Ao mesmo tempo, ela encontra um gatinho preto perdido e o leva para casa, afinal, toda bruxa que se preze precisa de um felino.

Mas logo, Zig a convence de que o bichano talvez seja uma ameaça intergaláctica e que ele veio ao planeta justamente para lidar com essa bagunça cósmica. Quem sabe ela não consegue provar que é uma boa bruxa e ajudar a resolver essa bagunça e até mesmo trazer a pessoa amada de algum cliente em apenas dois dias?

Misturar bruxaria contemporânea, ficção científica, comédia romântica, crítica social e estética psicodélica pode parecer ousado demais, mas em Lapso, isso acontece de forma fluida, divertida e surpreendentemente coerente, fazendo com que essa seja uma das obras nacionais mais originais do gênero nos últimos tempos. O que poderia ser apenas uma comédia nonsense se revela uma narrativa surpreendentemente bem amarrada, que usa seus elementos excêntricos para discutir temas como ansiedade, amadurecimento, solidão e propósito. Verônica é uma personagem incrivelmente relacionável, não por ser uma bruxa, mas por ser uma jovem perdida que está tentando encontrar seu lugar no mundo, mesmo que esse mundo inclua estrelas compráveis e alienígenas estilosos.

A arte de Márcio Moreira é vibrante, colorida e cheia de movimento, ela capta perfeitamente o tom caótico da narrativa. Cada página é carregada de energia, com composições que flertam com o psicodélico, mas sem perder a clareza. Já os diálogos escritos por Ren Nolasco são afiados, engraçados e naturais. Há uma leveza na condução da história, mesmo quando ela mergulha em mistérios mais densos. O texto não subestima o leitor, já que as pistas são dadas aos poucos. Parte do prazer da leitura está em montar esse quebra-cabeça narrativo, onde elementos aparentemente desconexos se revelam partes de um todo bem construído.

Para quem é fã de Doctor Who, Star Trek e Douglas Adams, essa HQ é um prato cheio. As referências estão ali (algumas escancaradas, outras discretas), mas a HQ constrói sua própria identidade sem depender delas. O resultado é uma obra original, que equilibra muito bem humor, crítica e fantasia. Lapso já está disponível nas lojas e no site da Companhia das Letras por R$69,90.

 

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