Vizinhos Bárbaros se passa na cidade de Paimpont, na região da Bretanha, na França. Os habitantes do vilarejo aceitam receber refugiados ucranianos, que estão fugindo da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, em troca de subsídios do governo. Porém, “os ucranianos são muito procurados no mercado de refugiados e não sobrou nenhum, porque toda a Europa os acolheu”. O jeito será aceitar uma família de refugiados vindos da Síria.
Julie Delpy, que dirigiu e escreveu o roteiro do filme ao lado de Léa Domenach, Matthieu Rumani e Nicolas Slomka, lidera o elenco como a professora local Joëlle, que inicialmente encabeçou a campanha para trazer os ucranianos para sua cidade e se esforça para garantir que os Fayads sejam bem recebidos. Apesar de todas as suas boas ações, ela também demonstra um certo ar de superioridade, contando alegremente à equipe de TV sobre seu profundo afeto por refugiados. Ela ter um certo ar de quem se posiciona como uma heroína dos oprimidos, mas que na verdade acaba por perpetuar estereótipos.
A narrativa acompanha as gravações de um documentário para a televisão local, por meio do qual conhecemos os amigos e vizinhos de Joëlle, entre eles sua melhor amiga Anne (Sandrine Kiberlain), o marido tímido de Anne, Philippe (Mathieu Demy), o fazendeiro local Yves (Albert Delpy), a enfermeira grávida Geraldine (India Hair), seu marido briguento, Hervé (Laurent Lafitte) e Sébastien (Jean-Charles Chilet).
Cada um desses personagens oferece sua própria perspectiva sobre o que a chegada da família síria significa para eles. Alguns são abertos e curiosos e demonstram preocupação e animação para que os Fayads sejam inseridos nesse ambiente da melhor maneira possível. Outros já começam a demonstrar algumas ideias preconceituosas, como a preocupação se as mulheres usam algum tipo de véu, outros ainda se preocupam se os Fayads não vão comprar seu vinho ou linguiça de porco, pois provavelmente não consomem esse tipo de produto por conta da religião. Muitos dos moradores locais demonstram algum nível de intolerância e estupidez. São seres provincianos e de mente fechada que fazem com que grande parte do humor gire em torno de suas trapalhadas, e não é muito difícil perceber que os “bárbaros” do título se referem aos próprios moradores da cidade, mesmo que essa seja a forma como eles categorizariam seus novos vizinhos árabes.
Quando os novos moradores chegam, eles surpreendem até mesmo Joëlle. Eles são uma família adorável, educada e um tanto tímida, cujas vidas foram destruídas pela longa e violenta guerra de Bashar al-Assad. Os Fayads incluem o patriarca Marwan (Ziad Bakri), ua esposa Louna (Dalia Naous), o pai dela, o rabugento Hassan (Farès Helou), seus filhos em idade escolar Dina (Ninar) e Waël (Adam), e sua tia médica Alma (Rita Hayek) . Eles são tão cautelosos com os aldeões franceses quanto eles com os próprios Fayads, mas também demonstram um espírito genuinamente aberto. Estão felizes por estarem em Paimpont e desejam desesperadamente contribuir para o bem da cidade, mesmo sendo constantemente tratados como crianças e discriminados abertamente.
Enquanto os personagens franceses tendem a ser estereótipos grosseiros de pequenos comerciantes mesquinhos, xenófobos, adúlteros ou políticos fracos, os sírios são retratados como pessoas reais. Essa disparidade parece totalmente intencional por parte da diretora, mas não resulta sempre em sucesso. Parte comédia de costumes, parte drama humano, parte falso documentário sobre a insanidade de tentar reduzir personagens humanos a fragmentos digeríveis, Vizinhos Bárbaros tem momentos agradáveis e originais, mas muitos outros soam um tanto quanto forçados. O longa provavelmente funciona melhor quando se torna um pouco mais sério e sentimental.
Certamente, este é o filme mais político que Julie Delpy realizou até hoje como diretora. Talvez também seja o menos bem-humorado de sua carreira, já que recorre a clichês e caricaturas tanto na representação dos moradores da vila quanto dos imigrantes. Ainda assim, sua mensagem sincera em defesa dos imigrantes soa especialmente pertinente em tempos de forte polarização política. Embora tente construir uma sátira escrachada, o resultado acaba sendo um filme atravessado por uma mensagem de esperança. Mesmo quando zomba e critica seus compatriotas franceses, Delpy demonstra, no fundo, o desejo de vê-los alcançar uma versão melhor de si mesmos.
Vizinhos Bárbaros estreia em 25 de dezembro, com distribuição da Synapse Distribution.
Bom
Vizinhos Bárbaros usa o humor para expor o provincianismo, a hipocrisia e a xenofobia de uma pequena cidade francesa diante da chegada de refugiados sírios. Embora a sátira recorra a estereótipos e nem sempre seja eficaz como comédia, o filme ganha força ao tratar os refugiados com humanidade e sensibilidade.