Sorry, Baby é o primeiro longa-metragem escrito e dirigido por Eva Victor e marca uma estreia surpreendentemente madura e controlada, tanto na linguagem cinematográfica quanto na abordagem emocional de um tema delicado. Além disso, ela interpreta Agnes, uma professora de inglês em uma faculdade na zona rural da Nova Inglaterra. No início do filme ligeiramente não linear, ela acaba de começar a lecionar na mesma universidade onde fez sua pós-graduação e mora na mesma casa onde residia quando era estudante, com sua melhor amiga e ex-colega de quarto, Lydie (Naomi Ackie). Ela está tendo um caso com o vizinho, Gavin (Lucas Hedges), cuja presença funciona quase como um lembrete de que a protagonista ainda busca algum tipo de contato humano, mesmo que emocionalmente descompromissado.
Agnes é até carismática, mas vive atormentada por neuroses que parecem genuinamente frustrantes para ela. Ela é uma jovem mulher que luta para se curar após uma profunda traição através da amizade, das conquistas envolvendo sua carreira e de vários outros mecanismos de defesa, incluindo a ajuda de seu humor sarcástico e de seu gatinho fofo.
Quando Lydie volta para visitá-la, ela adia a notícia da gravidez até o momento de ir embora. Não por medo de que Agnes sinta ciúmes por ela estar esperando um filho, mas sim por receio de que Agnes fique ansiosa com a possibilidade de a amiga a afastar ainda mais. Ainda assim, ela é carinhosa o suficiente para centrar sua alegria na chegada do bebê da amiga. As atuações delas possuem uma naturalidade tão grande que não é difícil acreditar que elas são amigas desde sempre, enquanto relaxam em lados opostos do sofá, com cobertores sobre as pernas, rindo e fofocando sobre assuntos banais como sexo, mas também sobre os diferentes rumos que suas vidas tomaram.
Parte do comportamento estranho de Agnes pode ser explicado por uma situação terrível pela qual ela passou quando mais jovem: ela foi abusada sexualmente por seu orientador de pós-graduação, um escritor aparentemente doce chamado Decker (Louis Cancelmi). Depois que um problema encerra o primeiro encontro sobre a tese de Agnes, ele sugere casualmente que a sessão de reconciliação seja em sua casa perto do campus. Agnes sente que não pode recusar, afinal Decker tem sido extremamente sincero e carinhoso com ela até então, a ponto de Lydie fazer brincadeiras sobre o relacionamento deles.

Chegando lá, Agnes sobe as escadas até a varanda dele. Nós a vemos tirar as botas, nós a vemos entrar. E é isso. Não há cena de estupro, mas a sugestão é suficiente e devastadora. O que se segue é uma tomada estática da casa de Decker onde, conforme a tarde se transforma em noite, presumimos que Agnes seja vítima de algum tipo de violência. Quando finalmente sai, ela não foge exatamente: calça as botas às pressas, deixando-as desamarradas, mas não corre. Decker observa da porta, com as mãos na cintura, rígido, imóvel. De repente, a câmera a segue enquanto Agnes atravessa a cidade atordoada. Essa representação indireta é imediatamente seguida, no entanto, por uma cena na casa que Agnes ainda divide com Lydie. Ela está sentada na banheira, visivelmente entorpecida, relatando o que acabou de acontecer. O humor sombrio da espirituosa e desajeitada Agnes é uma forma de lidar com a coisa ruim que ela não consegue chamar de “estupro”.
A escolha da diretora e roteirista de situar o abuso no ambiente acadêmico reforça uma crítica à cultura institucional que frequentemente falha em proteger vítimas, especialmente jovens mulheres sob supervisão de homens com prestígio e poder simbólico. O filme aborda, com sutileza, a inadequação das respostas sociais ao trauma: funcionárias da universidade que dizem não poder fazer nada, um médica incrivelmente insensível, e até uma juíza que dispensa Agnes de um júri como se isso fosse algum gesto de compreensão. Tais personagens não representam “todas as mulheres” ou todo o sistema, mas ilustram como, mesmo em ambientes supostamente progressistas, o acolhimento pode ser superficial e insuficiente.
Um gato surge como símbolo de energia emocional deslocada, depois de amor simples, e então de um tipo mais complexo de companheirismo. No epílogo, quando Agnes conhece o bebê de Lydie, a cena ganha contornos de renascimento. A parceira de Lydie mostra desconfiança em relação a Agnes, talvez ecoando inseguranças e ruídos acumulados entre as duas amigas. Ainda assim, Agnes projeta no bebê uma esperança genuína, quase um pedido silencioso para que ele cresça em um mundo menos brutal. Suas palavras não são vazias: soam como mantras de alguém que viu o pior da humanidade e ainda foi capaz de seguir adiante.
Apesar de alguns elementos exagerados, como a rival profissional excessivamente caricata ou a consulta médica quase satírica, Sorry, Baby equilibra humor e dor de forma surpreendente. O resultado é um filme devastador, mas cheio de humanidade e de pequenos momentos de beleza. Agnes, mesmo quebrada, continua inteligente, engraçada e afetiva. Sua trajetória mostra que o abuso sexual pode estremecer profundamente a autoconfiança de uma pessoa, mas não precisa destruí-la por completo. A mensagem que permanece, ao final, é de resiliência: a dor não desaparece, mas pode ser ressignificada. Agnes sobrevive. E continuar vivendo, apesar de tudo, é seu gesto mais radical.
Sorry, Baby estreia dia 11 de dezembro, exclusivamente nos cinemas brasileiros, com distribuição da Mares Filmes e a Alpha Filmes.
Muito bom
Sorry, Baby é um retrato sensível e doloroso do impacto do abuso sexual na vida de uma jovem mulher, equilibrado por momentos de humor sombrio e humanidade. A direção de Eva Victor, aliada às atuações autênticas de Naomi Ackie e Lucas Hedges, cria uma narrativa emocionalmente complexa sobre sobrevivência e resiliência. Apesar de alguns exageros narrativos, o filme se destaca pela sua reflexão honesta sobre o trauma e as respostas insuficientes da sociedade a ele.