Sirât
Divulgação
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Sirât é uma chocante montanha-russa emocional

Sirât, de Oliver Laxe, vencedor do prêmio do júri do Festival de Cannes, vai abrir a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A produção, distribuída no Brasil pela Retrato Filmes, começa com uma série de alto-falantes surrados sendo montados no deserto marroquino, logo pessoas alternativas estão dançando na areia em um mundo quase apocalíptico onde pulsações de graves profundos reverberam nas rochas e levam o público a um estado de transe além do pensamento consciente. O design de som se destaca como um dos elementos mais cruciais que contribuem para a atmosfera assombrada do filme. Neste mundo à beira do colapso, o som é protagonista e não apenas elemento técnico – um personagem vivo.

O filme c
omeça e termina com diferentes tipos de perdas. No início, Luis (Sergi Lopez) e seu filho Esteban (Brúno Nuñez) procuram por Mar no local onde acontece uma rave ao ar livre. Luis não tem notícias de sua filha há mais de cinco meses. Em meio as tomadas de pessoas dançando techno em um pequeno canto do deserto, com seus corpos balançam ao ritmo da música hipnótica (composta pelo artista francês Kangding Ray), Luis e Esteban abrem caminho por entre a multidão, distribuindo panfletos com a foto Mar na esperança de que alguém a tenha visto. A dupla acaba encontrando um grupo que se pergunta se a garota perdida estará na próxima festa, que acontece em outro local no deserto. A vida dessas pessoas é em seus automóveis equipados com comida, água e outras provisões, sempre em busca da próxima festa – ignorando as guerras, o esgotamento de recursos e o colapso das relações diplomáticas que os cercam. Então, os militares chegam ordenando uma evacuação. E é assim que descobrimos que a civilização está à beira da Terceira Guerra Mundial.

Motivados pelo desespero, Luis e Esteban seguem as duas vans que transportam Jade (Jade Oukid), Stef (Stefania Gadda), Josh (Joshua Liam Henderson), Tonin (Tonin Janvier) e Bigui (Richard Bellamy) desta festa para outra, que acontece em algum lugar próximo à fronteira com a Mauritânia. A princípio, os veteranos das raves tentam se livrar de pai e filho, mas a dupla é persistente. De início, essa viagem traz momentos mais voltados para a comédia, quando a minivan de Luis se mostra incapaz de enfrentar o terreno acidentado ou quando a cachorrinha de Esteban, Pipa, é acometida por uma mal estar passageiro, cuja causa suspeita é uma contaminação por LSD.

Luis é constantemente desafiado em suas visões das pessoas que vivem vidas muito diferentes da sua. Enquanto isso, Esteban vê em primeira mão que família nem sempre significa a família biológica. Tudo é surpreendentemente doce e sincero, enquanto essas almas perdidas forjam laços familiares e aprendem a depender umas das outras. Com momentos de união calorosos o suficiente para nos convencer de que o filme se desviou de sua premissa de garota desaparecida para se tornar um road movie excêntrico e tecnologicamente avançado sobre uma família encontrada, é difícil transmitir o quão de cair o queixo é quando, logo após a metade do caminho, uma tragédia ocorre.

Perto do final do segundo ato, quando você está totalmente à vontade na história, o diretor Oliver Laxe arranca qualquer conforto de você da maneira mais devastadora possível. A busca por Mar é abandonada completamente, perdendo o cerne de toda a história, quando esperamos desde o início ver um pai e um filho amorosos encontrarem sua parente perdida. A partir daí, Sirât se torna um filme completamente diferente, um que você pode ter previsto de perto, mas, em grande parte, é um que parece totalmente sem precedentes. Essa jornada de alianças relutantes leva o espectador à uma série de reviravoltas sombrias, com personagens que lidam com as realidades de diferentes perdas, tanto em nível social quanto pessoal. O deserto é o cenário perfeito para esta reflexão, já que o local árido funciona tanto como um repositório de sentimentos avassaladores quanto como um lembrete de nossa própria pequenez no grande esquema das coisas. O filme vai ficando cada vez mais selvagem, existencial e alegórico.

É um filme lindo, repleto de tomadas de paisagens que exaltam a beleza e a imponência do deserto do Saara (onde o longa foi filmado). O isolamento geográfico confere ao filme uma atmosfera assombrosa, quase sobrenatural. Mas a mensagem do filme pode ser estranhamente confusa às vezes. O cineasta se inclina para uma espécie de espetáculo tipicamente associado a obras de gênero para debater suas teorias sobre a morte, bem como para concretizar o título do filme (que significa “caminho” em árabe, uma palavra frequentemente associada à ponte que é mais fina que um fio de cabelo e simboliza uma passagem estreita e perigosa entre o céu e o inferno). Não é um filme que fornece respostas, mas mergulha de forma apavorante nas perguntas. Apesar de ter algumas falhas, Sirat é um filme energizante, uma obra feita para ser experienciada e determinada a nos despertar. Ao final, talvez o que mais permaneça não seja a imagem ou a história, mas a sensação: o eco das batidas no deserto, o silêncio após a última dança e as perguntas sem respostas no fim do caminho.

Sirât terá 3 sessões na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo:
16/10 – 18:00 – Cinemateca – Sala Petrobras
22/10 – 20:15 – Cinesesc
24/10 – 14:00 – Multiplex Playarte Marabá – Sala 1

3.5

Muito bom

Ainda que tenha alguns momentos confusos, Sirât é um filme de visual e som deslumbrantes, com momentos extremamente chocantes que são sustentados por um elenco de atuações comoventes. 

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