O Porão da Rua do Grito, dirigido por Sabrina Greve, é um filme de terror psicológico ambientado em um casarão histórico de São Paulo, mais especificamente, na Rua Do Grito, no bairro do Ipiranga. O nome, apesar de combinar muito com o horror, trata-se de uma homenagem ao famoso grito de independência do Brasil, proclamado por D. Pedro I às margens do rio que dá nome ao bairro. O que não é em vão, afinal, o passado é a principal assombração nessa trama e o grito é usado como símbolo da tentativa de libertação dos protagonistas do trauma.
O roteiro, escrito pela diretora ao lado da roteirista e dramaturga Michelle Ferreira, conta a história de Jonas e Rebeca, irmãos que ficaram órfãos após um misterioso incêndio. Tudo começa com um vídeo caseiro que nos mostra a festa de aniversário do pequeno Jonas, cuja comemoração é atrapalhada pela briga doméstica entre a mãe zelosa e o pai alcóolatra das crianças. Mais tarde, enquanto a menina conta uma história sobre a tataravó deles para o menino, os país morrem queimados no andar de cima.
Passam-se 10 anos e Jonas (Giovanni De Lorenzi) e Rebeca (Carol Marques da Costa) ainda vivem na casa na Rua do Grito, agora com a avó debilitada (Eliana Guttman), que praticamente não deixa o andar de cima da casa, e uma misteriosa criança (Nycolas França) escondida no porão. A casa segue com as marcas de fuligem nas paredes e os jovens são quase como fantasmas dentro da antiga moradia. Quando Rebeca aciona uma assistente social (Chris Couto) na tentativa de vender o casarão, Jonas resiste, atormentado por segredos de família guardados por gerações. A relação entre os dois sugere uma interdependência emocional, mas o roteiro não desenvolve essas nuances de forma satisfatória.
O casarão, figura central do longa, é mais do que apenas cenário, é um dos personagens. Suas paredes queimadas, os cômodos vazios e a presença constante da avó doente, quase como um espectro, são representações vivas daquilo que não foi superado. O roteiro, que bebe da fonte de contos clássicos como João e Maria e A Outra Volta do Parafuso, além de filmes de terror Hollywoodianos, como Horror em Amityville e Os Outros, aposta numa atmosfera de paranoia e clausura. Entretanto, o desenvolvimento dramático dessas figuras centrais não acompanha a riqueza simbólica do espaço que habitam, falta densidade psicológica a Jonas e Rebeca.
Do elenco, Giovanni De Lorenzi se destaca ao entregar uma performance intensa, como um jovem cada vez mais à beira do colapso. Seu Jonas lembra figuras clássicas do cinema de horror psicológico. Já Carol Marques da Costa opta por uma contenção que, por vezes, beira o apático e sua Rebeca pouco revela de seus sentimentos e motivações, enfraquecendo a empatia que o público poderia sentir por sua trajetória. Já o garotinho do porão, interpretado por Nycolas França é em muitos momentos um tanto quando robótico.
O maior trunfo do filme está na construção da tensão. A fotografia de Marcelo Trotta é muito bonita e transforma a casa em um campo minado de memórias e ameaças latentes. No aspecto visual, o filme impressiona, ainda que alguns efeitos visuais deixem a desejar. Enquanto isso, a trilha sonora de Mateus Alves contribui para o clima opressivo, utilizando agudos de piano e ruídos incômodos que evocam um medo mais atmosférico do que explícito. A direção acerta nos movimentos de câmera que investigam escadas, corredores e objetos com uma lentidão que induz à ansiedade.
O Porão da Rua do Grito é promissor e mostra uma diretora interessada na linguagem do terror e na força das imagens. No entanto, o filme carece de consistência narrativa, maior desenvolvimento psicológico dos personagens e aprofundamento das suas próprias metáforas. A obra acerta ao tentar criar uma atmosfera densa e opressora, mas se perde ao não construir uma dramaturgia sólida nem um horror realmente original. Ainda assim, é um passo relevante para o cinema de gênero no Brasil, que precisa explorar seus próprios traumas, espaços e histórias com mais ousadia e autenticidade.
O Porão da Rua do Grito, nova produção da Coração da Selva, é opção nacional para o Halloween e chega aos cinemas em 30 de outubro, com distribuição da Lira Filmes.
Regular
É sempre interessante ver o cinema brasileiro explorando o gênero do terror, afinal, são poucos os cineastas dispostos a enfrentar o desafio. Mas a sensação que O Porão da Rua do Grito é a de que a obra tinha nas mãos temas poderosos, como luto, trauma e loucura, mas hesitou em mergulhar fundo neles.