Carla Di Bonito Nossos Caminhos
Magaly Buonora
Carla Di Bonito Nossos Caminhos
Magaly Buonora

Nossos Caminhos | Diretora Carla Di Bonito fala sobre seu novo filme

Conhecida por Luzinete, curta que ganhou mais de 220 prêmios e percorreu 44 países, a diretora e roteirista cearense Carla Di Bonito está com um novo projeto. Seu primeiro longa-metragem, Nossos Caminhos, ainda está em processo de pré-produção, mas já está chamando atenção no circuito internacional antes mesmo de ser filmado. Já esteve em mais de 90 premiações, além de seleções em festivais ao redor do mundo — incluindo reconhecimentos independentes durante os festivais de Cannes, Sundance, Berlim, Roterdã, Veneza e Tribeca. O elenco já tem alguns nomes confirmados, entre eles Marcélia Cartaxo (Pacarrete), Dani Gondim (Milagre do Destino), Hermila Guedes (Homem Com H) e Any Maia (Nos Tempos do Imperador).

Na última terça-feira, 2 de setembro, tivemos a oportunidade de conversar com a diretora, que falou um pouco mais sobre esse e outros projetos. Você pode conferir o bate papo e o cartaz do filme abaixo:

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Você fez Luzinete, um curta sobre os momentos finais da vida da sua irmã. Agora, Nossos Caminhos traz esse assunto, que eu imagino que seja muito difícil de reviver, de uma forma amplificada. O que te motivou a trazer essa história novamente?

Carla Di Bonito: O Luzinete é como uma cena dentro do Nossos Caminhos. Aquela cena da Luzinete morrendo vai ser repetida. Ele abrange muito mais, pois não vai falar apenas da morte da Luzinete ou da vida da Luzinete, mas das nossas vidas. Dos nossos caminhos. O caminho dela, o meu e também de outras mulheres que fazem parte de todo esse enredo.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Ficou muita coisa que precisava ser dita e não coube em um curta, certo?

Carla Di Bonito: É muito interessante isso, porque desde a primeira vez que foi mostrado [o curta Luzinete], antes de passar no festival aqui, eu fiz uma sessão. Muita gente disse pra mim que teve a impressão de que estava vendo um longa, porque “você conseguiu colocar tanta coisa ali”. Ficou muita gente falando e comentando. Realmente apreciaram, porque em um curta realmente não dá para [colocar todas as ideias], mas o enredo todo, como ele foi feito, todo o contexto… era como se fosse realmente um longa.

E aí, com o sucesso do Luzinete, acredito que você já saiba, a gente, até o momento, já ganhou mais de 220 prêmios e percorreu 44 países. Agora eu preciso falar a história um pouco mais completa, mesmo assim ainda há muita coisa pra dizer, mesmo dentro de um longa.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Quais são as principais diferenças entre esses dois trabalhos e quais tem sido os maiores desafios de realizar esse longa?

Carla Di Bonito: Uma das principais diferenças é que em um curta… Esse por exemplo eu consegui fazer com menos de 2 mil libras, porque teve todo o apoio da universidade, com equipamentos e salas de edição. Em termos de orçamento é uma diferença astronômica. Em termos de logística também. Você fazer um longa é de uma grandeza! Você multiplica mil vezes os problemas, as dificuldades, a coordenação. E também de roteiro, desenvolver e dar os tempos adequados.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Falando em roteiro, o filme ainda está em pré-produção, mas já tem chamado muita atenção, sendo selecionado por muitos festivais e com um roteiro premiado. Como é fazer um filme em que as pessoas estão depositando tantas expectativas?

Carla Di Bonito: A gente ainda não começou a fazer o filme, estamos entre desenvolvimento e pré-produção. É tipo uma pré-pré. É interessante, mas ao mesmo tempo eu estou bem consciente do que é esperado. Porque, realmente, o roteiro está com 95 prêmios internacionais. Então cria-se uma expectativa e eu também crio expectativa. Eu tenho que chegar pelo menos ali nessa expectativa, se não, passar. É muita pressão. Mas ao mesmo tempo eu tento me divertir, sabe? Eu procuro ainda sorrir, não me preocupar demais, mesmo me preocupando. Ao mesmo tempo dizendo “vai acontecer, vai acontecer, vai acontecer”.

Não tem sido fácil, realmente não tem sido fácil. Eu sou mulher, sou nordestina, sou estrangeira, sou mãe solo, adotei uma criança sozinha e adotei muitos animais. Isso tudo requer muita atenção. Além disso, tenho que estar concentrada também nesse projeto.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Para Nossos Caminhos, foi escolhida uma equipe majoritariamente composta por mulheres. Como tem sido trabalhar dessa forma em uma indústria conhecida por ser machista?

Carla Di Bonito: A gente ainda não começou a trabalhar, mas por um lado, a gente tem muito apoio, “poxa vida, que legal, a equipe é majoritariamente feminina e tal”, cria-se aquela coisa “legal, poxa, vamos apoiar”. Mas a gente vai ver na hora, quando estiver todo mundo trabalhando. Eu acredito que realmente vai ser uma experiencia muito positiva. A força feminina é uma força muito positiva, é uma força grandiosa. O elenco também é majoritariamente nordestino. A gente vai ver essas grandes atrizes nordestinas e até mesmo as pessoas em papel de suporte são nordestinas. Tem a parte da Itália, tem a parte da Inglaterra, mas a maior parte da história vai ser contada no Estado do Ceará e algumas em Salvador também.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Uma coisa que achei curiosa foi que Luzinete, mesmo se passando no Brasil, foi lançado em inglês, Nossos Caminhos também vai ser?

Carla Di Bonito: A maior parte é em português, com algumas falas em tupi, porque a minha avó era de origem indígena e quando morei um período com ela, ela sempre falava com a gente em tupi. Não tudo, mas muitas frases ela falava em tupi. Então tem isso e claro, o italiano e o inglês.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Isso é legal, afinal, com o elenco nordestino variado vem os diferentes sotaques.

Carla Di Bonito: Com certeza. Eu adoro sotaques. Aqui na Inglaterra, embora seja um país pequeno, tem muitos sotaques. A Itália, a mesma coisa. É fantástico. Quanta riqueza a gente tem ali.

Carl Rasmussen

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Como funcionou a escolha do elenco? Você já tinha alguns nomes em mente?

Carla Di Bonito: Eu tinha alguns nomes em mente. A primeira pessoa que entrou foi a Marcélia Cartaxo, que foi a primeira atriz com qual eu falei. Me lembro que quando eu falei com ela, eu não tinha nem mesmo o argumento na época. Eu nem tinha começado o roteiro, mas eu contei a história e ela disse “tô dentro”. Foi a primeira pessoa que entrou. Depois, eu estava procurando uma pessoa pra fazer o meu papel, então entrou a Dani Gondim. Depois a Any Maia. E depois a Hermila Guedes, que iria fazer o papel da minha mãe biológica, mas assumiu outro papel de protagonista, que é o papel da Luzinete.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Você estudou cinema depois de uma carreira no jornalismo e ingressou nesse universo após os 50 anos. O que te motivou a mudar de área e fazer filmes?

Carla Di Bonito: O negócio é o seguinte. A primeira vez que fui ver a um filme já foi tarde, eu acho que já era até adolescente. E foi uma coisa que foi crescendo e foi crescendo. Mas naquela época eu não imaginava que podia ser aquilo, entende? E ainda carregava as coisas da infância de querer ser isso, querer ser aquilo. Eu fiz um ano de fonoaudiologia, porque eu queria fazer alguma coisa que ajudasse as pessoas. Mas a artista e a arte estavam sempre aqui dentro. Mesmo na escola, eu fazia coreografia das coisas, eu dancei para grupos, fiz jazz, fiz danças folclóricas, dancei em locais importantes do Ceará. A arte estava sempre dentro de mim. Só que era aquela coisa que eu nem imaginava que podia.

Depois veio a coisa do jornalismo e eu fiz documentários. Eu adoro documentários também. Aquilo ali era só a base, era o despertar, era o “olha, você pode fazer, se você quiser”. Aí, aos 40 anos eu sai da BBC e fiz meu primeiro filme, que foi o Friday, Saturday and Sunday. Eu fiz um roteiro e eu nem sabia escrever roteiro, não tinha preparo pra aquilo, não tinha formação. Fiz como achava que era, escrevi, produzi e dirigi. Acho que gastamos na época mais ou menos 500 libras, mas eu tive muita ajuda da Escola Internacional de Cinema de Cuba, onde fiz alguns cursos. Mandei para festivais.

Depois tive que abandonar. Mamãe foi diagnosticada com Alzheimer, depois decidi adotar uma criança com necessidades especiais. Tive que parar mais ou menos por uns 12 anos. Quando eu quis voltar, porque ficou aquela coisa me chamando, eu disse “eu tenho que fazer, não dá pra voltar simplesmente, preciso ter formação”. Entrei aos 53 e me formei aos 56.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Você disse que queria fazer algo que ajuda as pessoas. Muitas vezes o que é mostrado em um filme pode ajudar.

Carla Di Bonito: Com certeza. É uma responsabilidade. Nem todo diretor, nem todo escritor pensa nisso. Espero que pense, mas por algumas coisas que a gente vê, tá na cara que não. Mas eu vejo como uma missão. É um trabalho de poder levar uma mensagem, de poder ajudar outras pessoas. É um compromisso muito sério escrever e dirigir, não é só glamour. Tá na moda, todo mundo quer ser diretor. Você vai em escola de cinema, quando se decide a especialização, a maioria escolhe direção. Eu vejo como qualquer outra profissão, mas com um propósito muito grande. Você vai passar uma mensagem, que ela seja positiva, por mais que você mostre coisas tristes. É importante passar positividade quando se mora em um mundo tão cheio de coisas negativas.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd):  Além de Nossos Caminhos, você está trabalhando em algum outro projeto no momento? O que podemos esperar do seu trabalho como diretora em um futuro próximo?

Carla Di Bonito: Eu tenho o Connor and Sonia, uma comédia/drama baseada em fatos reais que eu presenciei, eles são amigos. Eu tive que mudar um monte de coisas para preservá-los. Basicamente, é um casal, já casados há 12, 13 anos, quando a mulher descobre que o marido é gay, ele sai do armário. Ao mesmo tempo mostra a comunidade latina.

Os brasileiros formam a maior parte da comunidade latina do Reino Unido, seguidos pelos colombianos. Então a gente tem uma presença que eu considero muito grande, mas ainda somos considerados invisíveis. A gente não tem nenhuma representação parlamentar, mas está ali em todo canto. Onde você vai hoje em Londres, você vê mercadinho, você vê cabeleireiros, você vê escritórios de advocacia [brasileiros]. Tudo. É uma presença maciça, mas não é falado. Esse filme vai mostrar isso, como vive a comunidade latina, mas eu não quero mostrar só os perrengues e as dificuldades, não quero me agarrar à isso.

Connor and Sonia, ele mostra um outro lado, o lado positivo da interação entre os latinos e os britânicos. No caso, a Sonia é uma carioca que é casada com o Connor, um irlandês. Eu adoro o roteiro, que já ganhou 3 prêmios. Um deles é como se fosse o melhor roteiro de direitos humanos.

Bruna Dolores (Poltrona Nerd): Seus primeiros trabalhos e todos super premiados e aguardados, parabéns pelas conquistas.

Carla Di Bonito: Aí que mora uma coisa, primeiros trabalhos, mas a gente tem que levar em consideração a experiência de vida. Eu me lembro que quando entrei na universidade, um dos meu professores disse que pra ser um bom diretor… Quando você é mãe, quando você pai, quando você vive, isso já te dá tanta coisa, que você tem experiência de vida. Acho que a experiência de vida é uma das melhores qualidades, melhores atributos de um diretor. Não estou dizendo que quem não é pai não pode ser um bom diretor, mas a experiência de vida agrega muito.

Conteúdo relacionado

Críticas

Mais lidas