Universo Cinematográfico Marvel pretende parar de adaptar os quadrinhos

Após mais de uma década de Universo Cinematográfico Marvel, o Marvel Studios está finalmente no ponto em que eles podem parar de fingir que simplesmente “adaptam” histórias de quadrinhos. Isso pode parecer minar a própria ideia do Universo Cinematográfico Marvel, mas olhando para o futuro, está claro que a Marvel está abrindo um novo caminho – que vai surpreender até o mais experiente leitor de histórias em quadrinhos.

Claro, os filmes da Marvel são intrinsecamente baseados em histórias em quadrinhos, trazendo alguns dos maiores nomes do meio para a tela grande. No entanto, mesmo nos primeiros dias as coisas eram diferentes. Como o próprio diretor de Vingadores: Guerra Infinita, Joe Russo, observou, “Eu acho que a Marvel já entrou nesse experimento cinematográfico que começaram há 10 anos com uma narrativa que diverge dos quadrinhos”. De fato, 10 anos e 20 filmes depois, eles chegaram em um ponto no qual as diferenças são inevitáveis.

Quão divergente será o Universo Cinematográfico Marvel quando chegar à Fase 4? E isso deve fazer com que os amantes de histórias em quadrinhos se desesperem, ou melhor, farão algo para comemorar que seus filmes superaram o meio que os inspirou? Vamos dar uma olhada na abordagem da Marvel.

Filmes da Marvel adaptam histórias de quadrinhos… mais ou menos

A primeira fase do Universo Cinematográfico Marvel foi basicamente formada pelos filmes com a origem dos heróis, por esse motivo eles foram mais fieis aos quadrinhos. Existiam duas fontes de inspiração: os quadrinhos originais e clássicos e os últimos lançamentos da Marvel no início dos anos 2000. Esses novos lançamentos da época fizeram com que a Marvel reinventasse seus heróis clássicos como se tivessem sido criados nos dias presentes – o que forneceu ao Marvel Studios o modelo para que fizesse o mesmo. Talvez a inspiração mais notável dos Ultimate Comics foi a escalação de Samuel L. Jackson (Django Livre) para o papel de Nick Fury em 2002.

No entanto, existiu apenas uma diferença chave, uma decisão estratégica que foi feita no final de Homem de Ferro. O filme acabou com Tony Stark em uma coletiva de imprensa se revelando como o herói título do longa. Embora tecnicamente isso estivesse de acordo com os quadrinhos, onde Stark havia se tornado público nos anos 90, provou ser um momento decisivo no Universo Cinematográfico Marvel. A Marvel percebeu que essa decisão simplificava as narrativas e permitia que eles contassem um tipo diferente de história de super-heróis; como resultado, eles abandonaram completamente o tema da identidade secreta. Isso é mais visível com Thor, que mal flertou com o alter-ego humano de Thor, Donald Blake.

Afastando-se das histórias de origem, alguns dos filmes têm sido bastante abertos sobre suas raízes em quadrinhos. Capitão América: Soldado Invernal, por exemplo, foi adaptado da clássica temporada de 2005 escrita por Ed Brubaker, especificamente Capitão América #1-14. O quadrinho revelara que o velho colega de guerra de Steve Rogers, Bucky, foi capturado e sofreu uma lavagem cerebral, o que o tornou um assassino conhecido como Soldado Invernal. Capitão América: Guerra Civil é inspirado na minissérie da Guerra Civil de 2006-2007, embora a história seja fortemente adaptada para se encaixar na narrativa abrangente do Universo Cinematográfico Marvel; o Soldado Invernal desempenha um papel importante que é completamente diferente dos quadrinhos e o filme inteiro é influenciado pela tragédia da destruição de Sokovia em Vingadores: Era de Ultron. A essa altura, as diferenças entre os quadrinhos e os filmes começaram a se acumular e estavam se tornando particularmente visíveis.

Vingadores: Guerra Infinita é o clássico exemplo. É uma mistura da minissérie sobre o Thanos de Jim Starlin, culminando em um final diretamente inspirado pelos quadrinhos. Mas, ao mesmo tempo, tudo foi modificado e a motivação de Thanos é tão diferente que ele pode não ser o mesmo personagem. Os diretores do filme insistem que é porque este é um universo diferente. Como Joe Russo observou: “Como fã de quadrinhos, acho divertido pegar elementos dos livros com os quais me identifico. Mas, se eu quiser uma interpretação literal, vou ler o livro.”

Os próximos filmes da Marvel não serão baseados em histórias em quadrinhos

A próxima leva de filmes da Marvel é atualmente a menor desde 2014, com apenas três dos próximos filmes confirmados; Capitã Marvel, Vingadores 4 e Homem-Aranha: Longe de Casa. O aspecto mais marcante dos três filmes é como eles são diferentes de tudo que já vimos nos quadrinhos.

Capitã Marvel parece que vai ser o mais próximo das origens. O figurino sugere que ele será fortemente influenciado pelo popular quadrinho de Kelly Sue DeConnick, enquanto a Marvel confirmou que envolverá a Guerra Kree-Skrull. Ao mesmo tempo, esta história está sendo tecida na narrativa do Universo Cinematográfico Marvel de uma maneira muito distinta. O filme é ambientado nos anos 90, o que significa que Carol Danvers será uma super-heroína que se existiu décadas antes de Tony Stark. Além do mais, a história de origem de Carol será entrelaçada com uma aventura da S.H.I.E.L.D., com Nick Fury e Phil Coulson aparecendo.

Passando para Vingadores 4, os irmãos Russo sugeriram que é uma história original, nunca vista nos quadrinhos. Questionado sobre quais quadrinhos ele recomendaria que fossem lidos em preparação, Joe Russo observou que não acredita que haja quadrinhos relacionados a ele. “Eu acho que estamos em um território bem novo com Vingadores 4… Eu não consigo pensar em nenhuma HQ em particular que tenha valor”. O pouco que sabemos sugere que alguns elementos das histórias em quadrinhos serão misturados à narrativa, mais notavelmente a ideia das personas do Hulk se misturarem em uma única entidade ou o Gavião Arqueiro assumindo uma identidade mais sombria após a morte de sua família. Mas o arco principal em si é algo novo e único – e quaisquer ideias precisas de histórias em quadrinhos serão mescladas de uma forma que nunca vimos antes.

Espera-se que o final de Vingadores 4 transforme o Universo Cinematográfico Marvel, com contratos para grandes nomes como Chris Hemsworth (Thor: Ragnarok), Chris Evans (Um Laço de Amor) e Robert Downey Jr. (Sherlock Holmes) estarem chegando ao fim. Isso por si só forçará o Universo Cinematográfico Marvel a se afastar ainda mais dos quadrinhos, onde personagens principais nunca morrem (ou, pelo menos, não por muito tempo). A história do cinema de Tony Stark chegará ao fim, mesmo que as aventuras impressas do herói continuem; Steve Rogers vai pendurar seu escudo, mas as histórias do Capitão América vão continuar por muitos anos nos quadrinhos. Como resultado, as diferenças entre os filmes e os quadrinhos só aumentarão com o passar do tempo.

Não surpreende, portanto, que não pareça haver absolutamente nenhum precedente de história em quadrinhos para Homem-Aranha: Longe de Casa – o primeiro filme depois de Vingadores 4. O escalador de paredes parece estar trocando os Vingadores pela S.H.I.E.L.D., uma abordagem que lembra a Versão Ultimate Universe, mas parece inspirada em vários desenhos animados do Homem-Aranha. O Homem-Aranha dos quadrinhos definitivamente não saiu em férias de verão para a Europa quando ele era adolescente e a ideia de ele viajar pelo continente caçando Mysterio é nova e original. Mesmo o mais ávido leitor de histórias em quadrinhos não tem nada de base, tornando esta aventura um completo mistério.

Este foi sempre o caso (e não apenas para a Marvel)

Os leitores de quadrinhos podem ser perdoados por se assustarem com a divergência entre os quadrinhos e os filmes, mas, na realidade, sempre estiveram lá. Veja os Guardiões da Galáxia, uma equipe que foi drasticamente reinventada por James Gunn – e os quadrinhos trocaram seus personagens para se alinharem aos filmes. A sequência foi ainda mais longe com essa abordagem, abandonando a ideia de que Peter Quill é filho de um imperador galáctico. “Eu não gosto do J’son”, disse Gunn aos fãs no Facebook Live. “Eu simplesmente não gosto muito do personagem. Eu também achei que era muito parecido com uma coisa de Star Wars por causa da realeza e tudo isso”. Em vez disso, Gunn optou por fazer de Quill um híbrido humano/celestial. E Adam Warlock, quando ele finalmente fez sua estreia no Universo Cinematográfico Marvel, era um alienígena da raça conhecida como o Soberano – não um ser humano perfeito.

Então, por que a Marvel já tinha uma reputação de ser fiel aos quadrinhos? É porque o estúdio entende que as histórias não são a parte mais importante, os personagens é que são. O Homem de Ferro pode ter revelado sua identidade imediatamente, o Thor não tem contrapartida e a Guerra Civil dividiu os Vingadores por causa do Bucky, mas através dentro de todos esses eventos, os personagens estavam em seu núcleo. Homem-Aranha: De Volta ao Lar mostrou um monte de coisas efêmeras sobre Peter Parker, mas cada escolha foi feita com as décadas de história impressa em mente. Pantera Negra é fortemente inspirado pela bela obra de arte de Brian Stelfreeze, que redesenhou a nação de Wakanda, modernizando para o século XXI. E Thor: Ragnarok prestou homenagem aos desenhos de Jack Kirby, embora Taika Waititi tenha contado uma história que não tem semelhança com o arco de quadrinhos de mesmo nome.

Não é – e nunca foi – sobre trazer as histórias em quadrinhos para o cinema literalmente: eles estavam usando elementos constituintes para fazer reviravoltas no cinema. Isso foi o que a Marvel estava fazendo desde o início e pode ser visto em todas as outras produções. Como dito, não é exclusividade da Marvel, Batman vs Superman: A Origem da Justiça, por exemplo, é uma nova história que levanta as cenas e imagens de O Cavaleiro das Trevas de Frank Miller e o clássico A Morte do Superman. Mulher-Maravilha presta homenagem à origem da Princesa Amazona, mas faz isso colocando-a contra o pano de fundo da Primeira Guerra Mundial. Deadpool é fiel ao tom e ao estilo dos quadrinhos, mas reformula liberalmente personagens e cenários.

O ano seguinte marca um ponto de ruptura entre os quadrinhos e os filmes. A narrativa em curso do Universo Cinematográfico Marvel está abrindo caminho no território que os quadrinhos nunca exploraram. Mas isso não significa que os quadrinhos deixarão de ter impacto sobre esses filmes; em vez disso, significa que seu impacto será mais sutil e com nuances, visível nos temas e conceitos, nos tons e estilos e, acima de tudo, nos visuais.