Um dos cinemas mais subestimados do mundo é o argentino. Seja por sua enorme contribuição cultural para a América Latina ou por sua qualidade técnica indiscutível, a Argentina abriga clássicos fundamentais e obras que marcaram profundamente o cinema latino. Dentro desse contexto — entre aclamações e polêmicas — Homo Argentum encontra seu lugar, revelando o melhor do cinema argentino, mesmo que, em alguns momentos, perca a noção de quando parar ou de como conduzir suas críticas sociais.
A impressão é que, para quem vive na Argentina, cada história do filme ressoa de maneira mais íntima e imediata. Já para espectadores de outros países, com culturas e costumes distintos, Homo Argentum assume outro significado — ainda forte, mas filtrado por uma distância cultural que altera completamente a experiência.
Ainda assim, mesmo situado em uma cultura diferente da nossa, é possível se conectar com a essência que Guillermo Francella constrói ao longo dos dezesseis curtas — que variam de um a vinte minutos. Sejam mais ácidos, subjetivos ou escancarados, cada história busca criticar aspectos dos costumes argentinos, especialmente da classe média e suas hipocrisias enraizadas.
O problema é que, desses dezesseis contos, apenas cinco ou seis realmente se destaca. Não que os demais sejam descartáveis, mas, após 1h50min assistindo às mesmas observações se repetirem, a experiência se torna cansativa — a ponto de nos perguntarmos se essa quantidade toda era realmente necessária.
Para nós, espectadores de outra cultura, Homo Argentum oferece questionamentos interessantes a partir do olhar de um homem contemporâneo que enxerga seu país de forma mais crítica do que acolhedora. Por meio de temas socioeconômicos, os diretores Mariano Cohn e Gastón Duprat resgatam a era de ouro do cinema italiano e retratam diferentes facetas do povo argentino, abordando também questões políticas e religiosas.
Duas histórias, em especial, merecem destaque. A primeira é aquela em que Francella interpreta um homem rico e soberbo, que critica a nova geração, o êxodo de argentinos para a Europa e a suposta falta de amor pelo próprio país. Ao sair na janela para beber e fumar, ele causa um acidente que escala rapidamente. A sutileza de Francella, unida à hipocrisia do personagem e ao ritmo ágil do roteiro, faz desse o conto mais marcante do filme.
Outro destaque é a sátira ao presidente da Argentina, Javier Milei. Em apenas três minutos, o filme utiliza o humor de forma precisa para deixar clara a insatisfação com o regente argentino.
Os méritos de Homo Argentum estão em reconhecer as tensões, contradições e hipocrisias do próprio país, usando ironia e bom humor para construir o retrato de um homem contemporâneo controverso. Entretanto, o excesso de histórias repetidas e algumas narrativas desalocadas tornam a experiência irregular — como se faltasse um filtro mais rígido para selecionar o que realmente precisava estar ali. Ainda assim, é o cinema argentino olhando para si mesmo como objeto de estudo.
Regular
Mesmo irregular, Homo Argentum é um retrato provocante de um país que encara a si mesmo como objeto de estudo — e que nem sempre gosta do que vê.