Baseado no romance homônimo da aclamada autora Ana Paula Maia, o longa-metragem de terror nacional Enterre Seus Mortos acompanha Edgar Wilson (Selton Mello) em uma fábula do apocalipse em sete capítulos, que são mostrados em ordem inversa. O protagonista, Edgar Wilson, é um homem soturno que trabalha como removedor de animais atropelados em estradas na O.R.A.M. — Órgão de Recolhimento de Animais Mortos, que fica na fictícia Abalurdes, pequena cidade marcada por acontecimentos peculiares e um clima de apocalipse iminente. Logo no início do filme já percebemos um pouco sobre a personalidade dele quando alguém atropela um cavalo na estrada e diante da vítima ainda ferida, clamando por socorro, ele responde que seu trabalho é apenas recolher o animal e levá-lo para um depósito onde será triturado num grande moedor e transformado em adubo, não ajudar pessoas. Ele é frio e, ao menos nos primeiros capítulos, não demonstra emoção ou conexões com as pessoas ao seu redor.
O homem, que é um funcionário exemplar, tem uma rotina repetitiva e passa seus dias colhendo animais ao lado do colega de trabalho, um padre excomungado chamado Tomás (Danilo Grangheia), que distribui extrema-unções a qualquer um que precisa, normalmente vítimas de acidentes que eles encontram nas estradas e que também bebe demais.
No tempo livre, encontra-se com a namorada, Nete (Marjorie Estiano), que também é sua chefe no trabalho e quem lhe passa as chamadas das ocorrências. Ambos tem o desejo de fugirem juntos daquela cidade que está cada dia mais próxima do fim. Porém, esse namoro tem uma dinâmica complexa por conta das ideias opostas do casal. Ele é um homem muito prático e objetivo, que não tem interesse nenhum em religião, enquanto Nete busca conforto e respostas na seita liderada por uma criança bizarra na qual tomam chás borbulhantes e misteriosos. Ela sofre de um problema cardíaco onde há um risco do seu coração crescer a ponto de explodir e isso é o que Edgar acha de mais atraente na namorada: seu grande coração. Enquanto isso, Nete sofre com as reações estranhas do namorado, um sonâmbulo que muitas vezes desperta com uma faca na mão, falando coisas estranhas sobre as visões que o aterrorizam. Isso é algo que irrita profundamente tia Helena (Betty Faria), a seguidora cega da religião que faz de tudo para converter mais gente com quem Nete vive.
O filme foi escrito e filmado durante a pandemia de Covid-19 e podemos ver algumas metáforas interessantes que relacionam com esse tema, como a misteriosa síndrome que afeta apenas crianças, que são mandadas para viverem isoladas em uma ilha, os foguetes que levam as pessoas para fora do planeta doente e dominado por uma religião com ares de seita que as pessoas buscam como fonte de salvação em uma sociedade condenada e adoecida.
O filme do diretor e roteirista Marco Dutra (Trabalhar Cansa) é algo que foge totalmente do convencional, misturando mundos pós-apocalípticos, monstros, ficção científica, possessão demoníaca, venda de cadáveres, uma ilha de isolamento para crianças infectadas com uma síndrome misteriosa, histórias sobre exorcismos e até pitadas de comédia. Esse, pra mim, é o maior problema do filme: ele soa confuso em meio a tantas histórias. Apesar disso, é uma produção de cenas bem fortes e bem feitas, que de alguma forma ainda conseguem fazer o espectador mergulhar nessa atmosfera estranha.
Enterre Seus Mortos é um filme que começa interessante, pois apresenta uma série de mistérios que fazem com que o espectador queira acompanhar a história para saber mais, mas ao longo das 2h de duração vamos percebendo que o roteiro abraça mais do que é capaz de desenvolver. Ele procura ser um filme repleto de críticas socioeconômicas, mas parece ser mais ambicioso do que realmente é. Ao tentar trazer muitos elementos diferentes, o roteiro não consegue realmente desenvolver grande parte deles e tente explicar demais outros, gerando uma série de perguntas que ficam sem resposta.
Enterre Seus Mortos chega aos cinemas às vésperas do Halloween, no dia 30 de outubro, com distribuição da O2 Play.
Regular
Apesar de conseguir criar uma atmosfera muito interessante, Enterre Seus Mortos se perde ao tentar englobar uma enorme quantidade de temas, que acabam ficando subdesenvolvidos.
