Ducca Rios, diretor de Meu Tio José, fala sobre Ditatura e animação Ducca Rios, diretor de Meu Tio José, fala sobre Ditatura e animação

Ducca Rios, diretor de Meu Tio José, fala sobre Ditadura e animação

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Dirigido por Ducca Rios, a animação brasileira Meu Tio José, conta a história de José, que permaneceu exilado durante dez anos antes de retornar ao Brasil onde foi morto em um crime com evidências fortes de motivação político ideológica e que permanece sem solução. No longa, conflito principal se dá a partir de uma redação que Adonias tem que escrever na escola, mesmo dia em que seu tio sofre o atentado, em 1983, sendo depois levado ao hospital em estado grave.

Ducca Rios, diretor de Meu Tio José, fala sobre Ditatura e animação
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Com voz original de Wagner Moura, Tonico Pereira e Lorena Comparato, a obra se inspira na história de vida do diretor para narrar, a partir do olhar de uma criança, Adonias, a trajetória do seu tio José, que participou junto a outros ativistas de esquerda do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969. Em uma conversa exclusiva para o Poltrona Nerd, o cineasta Ducca Rios, explicou sobre a presença e a importância da história no Brasil e a experiência de trabalhar com grandes nomes do cinema brasileiro.

P.N: A animação fala sobre Ditadura e hoje vemos pessoas pedindo o retorno dela. Você acredita que nós brasileiros sofremos de memória curta sobre nossa própria história?

Ducca Rios: A ciência, tornou-se um dos grandes problemas para conseguirmos evoluir da condição medíocre de país que se repete em ciclos autoritários. Darcy Ribeiro disse que isso sempre foi um projeto elitista e não uma crise. Noam Chomsky completa o raciocínio apontando para a nossa classe média idiotizada e com delírios de riqueza como uma das mais cruéis do planeta no que se refere à preservação das condições de desigualdade social que corroem o Brasil. Então sim, nossa falta de memória é um dos sintomas desse levante, diga-se, minoritário e aparentemente em declínio, que defende a volta da ditadura. Um levante encampado por oportunistas e imbecis, por lobos e cordeiros.

P.N: Como foi a experiência de trabalhar com grandes nomes do cinema, como Wagner Moura e Tônico Pereira?

Ducca Rios: Foi fantástico! Um sonho trabalhar com o Tonico Pereira, a quem admiro desde criança, com o Wagner, um conterrâneo de Salvador, torcedor do Vitória, e sem a menor dúvida um dos mais talentosos atores brasileiros, com a Lorena Comparato, talentosíssima atriz, de alma leve e sensível, com o Jackson Costa, o Bertrand Duarte, a Evelin Butchegger, a Neyde Moura e tantos atores incrivelmente competentes da Bahia, que fizeram o filme conosco. Foi uma honra.

P.N: O projeto foi finalista no Festival Internacional de Cinema e Animação de Annecy, na França. Quando você teve a ideia de fazer esse longa, imaginava que poderia competir em um dos festivais mais importantes do cinema no mundo?

Ducca Rios: Eu sempre quis ir a Annecy. É o sonho de todo animador do planeta ser selecionado por este festival. Mas não fiz o filme para isso, fiz para expulsar meus demônios e trazer a conhecimento público a história do José Sebastião Rios de Moura, um brasileiro que se levantou contra os desmandos da ditadura, usando o que pode em um momento em que votos não valiam nada e nem se podia expressar descontentamento.

Ducca Rios também deu a sua opinião sobre a valorização da animação brasileira e a escolha da trilha sonora, trazendo Chico Buarque como autor.

P.N: Acredita que a cultura precisa investir mais na animação brasileira? Principalmente quando há uma história cultural por trás?

Ducca Rios: A animação nunca foi valorizada como deveria ser. O filme O Menino e o Mundo do Alê, por exemplo, foi o filme brasileiro de maior destaque do ano de seu lançamento. Mas nossa comunidade cinematográfica praticamente o ignorou por ser uma animação e, mesmo assim, foi o filme que acabou representando o país no Oscar. Um feito!

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P.N: Você escolheu Chico Buarque para trilha sonora. Foi uma escolha proposital pelo que o cantor viveu na ditadura?

Ducca Rios: Claro que foi proposital, pela própria história do Chico. O momento da ditadura foi uma monstruosidade mas também um motivador para ele criar obras maravilhosas da nossa música popular que marcam os anos de chumbo, e em paralelo, são atemporais em nosso ciclo autoritário brasileiro. Da mesma forma, foi uma das experiências mais interessantes do processo de produção ver o incrível cantor e poeta Lirinha gravar a música “Apesar de Você“ especialmente para essa história.

A animação foi apresentada para o público na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um dos principais e mais antigos festivais de cinema do Brasil. Confira o trailer: