Dracula tem algumas boas ideias, mas é um teste de resistência assisti-lo

Dracula, do roteirista e diretor romeno Radu Jude (Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental), é um dos filmes que compõe a sessão Perspectiva Internacional na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O filme é uma celebração escandalosa da narrativa visual em todas as suas formas, passando do cinema mudo ao TikTok e por inúmeras versões do conto do vampiro, essa declaração caótica e antiarte do diretor é o primeiro filme do vampiro mais famoso do mundo feito para ser um fracasso. Na verdade, mais de uma dúzia de filmes malucos em um, somando quase 3h de duração.

O mais notório de todos os vampiros foi inspirado por uma máquina de matar medieval da vida real conhecida como Vlad, o Empalador, cujos métodos brutais de tortura eram muito piores do que qualquer coisa que Drácula já tivesse feito em livros ou no cinema. Já a miscelânea de histórias aqui começa com uma montagem inicial com o famoso vampiro renderizado porcamente por inteligência artificial inúmeras vezes exclamando: “Eu sou Vlad, o Empalador e vocês podem chupar meu pau!”. Isso mais ou menos define o tom das próximas três horas, que são repletas de piadas grosseiras e todo tipo de sexo falso, seja oral ou não.

O filme apresenta um jovem que quer ser cineasta (Adonis Tanța), mas que está com um bloqueio criativo e depende da inteligência artificial para ajudá-lo a conceber um filme sobre Drácula repleto de tudo o que o público poderia desejar. Ele mesmo revela que tudo será cheio de nudez, sexo, emoções, violência, perseguições, muito sangue, piadas e humor pastelão com pouca ou nenhuma preocupação com a qualidade enquanto narra o que vem a seguir como se fosse um programa de TV brega. Dracula é um filme todo filmado com câmeras digitais de baixa qualidade na Transilvânia e arredores, misturados com imagens de IA toscamente animadas do infame conde romeno e com recortes de papelão substituindo figurantes. Muitos dos momentos parecem um versão mais pornográfica de um esquete do Monty Python.

Uma das principais histórias e que permeia todo o filme e funciona como uma espécie de comentário sobre todo o resto, acompanha um ator decadente (Gabriel Spahiu) que interpreta o vampiro em um teatro subterrâneo, oferecendo números musicais impróprios para menores a turistas bêbados, além de finais felizes para aqueles dispostos a desembolsar um valor extra. O ator idoso foge para as ruas com sua colega sensual (Oana Maria Zaharia), escapando de uma gangue de clientes insatisfeitos. Nesses segmentos cansativos, o diretor parece estar comentando como Drácula passou de lenda imortal, há mais de um século, a uma vítima miserável. Vlad III é uma figura proeminente na história romena, embora séculos de adaptações literárias o tenham desvirtuado como o líder militar que foi em vida. Seu legado está nas lojinhas cheias souvenirs e o vampiro histórico foi uma cópia de uma cópia, um boato de uma lenda sobre uma figura histórica real cujo reinado de terror foi destruído e transformado em atração turística.

Radu Jude vê Drácula como o maior vitimizador capitalista da ficção, explorando a força vital dos outros para seu próprio prazer, seja financeiro ou físico. Mas o vampiro também foi explorado por muitos capitalistas, especialmente aqueles nas indústrias cinematográfica e turística  Em certo momento, é feita menção a um parque temático do Drácula que deveria ter sido construído na Romênia na década de 1990, mas acabou abandonado, fazendo com que os investidores ficassem sem um centavo. Em outro, Vlad retorna à vida como o CEO implacavelmente capitalista de uma empresa de jogos cujos funcionários acumulam pontos de experiência para vender suas contas reforçadas a jogadores americanos preguiçosos.

É um filme repleto de mensagens políticas incisivas, sarcasmo, humor obsceno e uma forte dose de fatalismo, sem dúvida, mas demais para qualquer um absorver em uma única exibição. Dracula é um filme cansativo, mas que não chega a ser monótono e cujo resultado exagerado seria muito mais eficaz com metade da duração. De certa forma, é preciso dar crédito ao diretor por ousadamente levar Drácula aonde ninguém jamais foi. Além disso, é apropriado que o primeiro bom filme a incorporar inteligência artificial de forma aberta e significativa em sua estética seja sobre um sugador de sangue morto-vivo que se alimenta da humanidade para parecer vivo.

Às vezes, seu filme parece intencionalmente barato, como se o diretor estivesse imitando todas as imagens descartáveis ​​encontradas nas redes sociais e plataformas de streaming, incluindo a onda de lixo produzido por IA que atualmente inunda nossas telas. Este é um filme que se deleita com a criação de imagens da IA ​​em sua forma mais feia e incipiente para argumentar que ela não é realmente nada nova e que a transformação de Drácula pode ter levado séculos para acontecer, mas a IA pode transformar a realidade em porcaria em segundos. Dracula pode ser uma tentativa sincera de criticar tais visuais, bem como muitas outras coisas sobre o nosso mundo altamente explorador, mas é improvável que tal crítica seja vista ou ouvida por muitos.

Dracula terá 3 sessões na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo:
24/10 – 20:30 no Espaço Petrobras De Cinema – Sala 2
25/10 – 14:00 na Cinemateca – Sala Petrobras
28/10 – 15:30 no Espaço Petrobras De Cinema – Sala 1

2.5

Regular

Dracula é uma sátira caótica que transforma o vampiro mais famoso do mundo em símbolo do capitalismo moderno e da decadência cultural. Misturando humor obsceno, crítica política e estética trash, com cenas filmadas em baixa qualidade e imagens porcamente geradas por IA, o longa é tanto um ataque à exploração da imagem quanto um espelho grotesco da cultura digital atual. Ainda que tenha pontos positivos, é um filme extremamente cansativo  e repetitivo, cujo humor nem sempre funciona.

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