Crítica | O Irlandês

Reprodução/Netflix

Ao longo da carreira, Martin Scorsese se mostrou um cineasta versátil comandando comédias, dramas de época, documentários musicais. Mas foi no cenário gângster que o experiente diretor ficou mais conhecido. Os Bons CompanheirosCassino e Os Infiltrados são algumas das obras mais conhecidas pelo público geral. Embora não seja os melhores filmes da extensa lista do diretor, são filmes que primam pela habilidade de Scorsese em aprofundar a linguagem cinematográfica. Filmes que se aprofundam e despertam uma reflexão com personagens carismáticos, que podem parecem banais, mas com muito a nos ensinar.

O Irlandês é o projeto dos sonhos do diretor, que tenta há bastante tempo tira-lo do papel. Depois de ser rejeitado pela Paramount devido ao alto orçamento, o longa despertou o interesse da Netflix, sendo o maior acerto do serviço de streaming nos últimos anos. Inspirado no livro I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, o filme é um estudo sobre a ascensão e decadência da máfia. As quase 3h e 30 minutos de duração podem fazer muitos assinantes da Netflix torcerem o nariz, mas cada minuto da produção valeu a pena. Embora o ideal seja acompanhar o filme na sequência, a dica que pode ajudar é encara-lo como uma minissérie de três episódios. Muitos assinantes estão fazendo isso e o resultado está sendo satisfatório.

Escrito por Steve Zaillian, o longa acompanha a história real de Frank Sheeran (Robert De Niro), um ex-combatente da Segunda Guerra Mundial que, passa a fazer alguns bicos como motorista de caminhão, e acaba se envolvendo com o mafioso Russell Bufalino (Joe Pesci). Russell aos poucos se interessa pela simplicidade de Frank, e o apresenta ao mundo da máfia e ao notório Jimmy Hoffa (Al Pacino), presidente do sindicato nacional de caminhoneiros, de notória influência política nos Estados Unidos. O filme retrata as consequências quando se entra no mundo da máfia. Uma vez nela, jamais será capaz de se livrar sem danos. As consequências são irreversíveis. Assim, Martin Scorsese tem em mãos a trinca De Niro, Pesci e Pacino, conhecidos colaboradores de sua carreira. A performance do trio mostra que a insistência do diretor em contar com eles não foi a toa. O trio em cena é um verdadeiro deleite para os apaixonados pela sétima arte. A forma espontânea como performam faz tudo parecer tão fácil, mas não é.

Começando por Joe Pesci, o ator é conhecido papeis explosivos e enérgicos. Na composição do poderoso Russell Bufalino, acompanhamos um sujeito contido, com um tom de voz sempre baixo e uma natureza calorosa e afetuosa, como nas cenas que ele demonstra afeição pela filha de Frank, como se fosse alguém da própria família. Contudo, pelo simples olhar, Russell demonstra ser um sujeito extremamente perigoso. Ele dança conforme a música. Isso fica claro quando demonstra que não hesitaria em matar o próprio amigo se fosse necessário.

Al Pacino apresenta uma performance brilhante, relembrando os tempos que estava no auge. Jimmy Hoffa era um excelente comunicador, carismático e metódico. Ao mesmo tempo, a atuação de Pacino mostra com eficiência as diversas facetas do personagem. Ao mesmo tempo que consegue despertar o afeto do espectador, há um elemento dramático: a clássica ascensão e queda pela ganância. Jimmy Hoffa pagou o preço de conseguir a qualquer custo o poder.

Por fim, a atuação de Robert De Niro é a cereja do bolo. Foi o trabalho que mais exigiu dos três atores. Desde o início, Frank Sheeran era um cara de princípios. Sua lealdade chama a atenção de Russell, que descobre alguém capaz de pintar paredes, termo usado para os crimes encomendados. Quando entra para o mundo da máfia, Frank se torna um indivíduo reativo, violento e frio. Sua transformação o leva a decadência, começando pela família, aos poucos se afastando. O maior retrato está na filha mais velha, tão próxima e, ao fim, encarando Frank como um sujeito estranho, longe de ser o amado pai na infância. A atuação de Anna Paquin como a filha de Frank pode ser definida como o ponto moral da narrativa. Seu olhar de julgamento para o pai mergulhado na máfia representa a visão do próprio espectador.

O último ato do longa foca na tragédia anunciada pela vida que Frank e seus companheiros seguiram. O Irlandês é um filme sobre dor e solidão. Depois de uma vida repleta de poder, o legado para quem se torna um mafioso é estar sozinho esperando a morte chegar. Isolado em um asilo, Frank está definhando pela culpa que carrega, pelas escolhas que tomou. Embora não seja nenhum santo, é doloroso ver o destino final de Frank. Já no fim da vida, o personagem voltou a ser quem ele era de início. Como se fosse um arrependimento por tudo que fez. Como se esperasse ter uma nova chance, se tivesse a oportunidade.

O Irlandês é uma obra-prima de Martin Scorsese.

5

Excelente

O Irlandês é um filme sobre dor e solidão. Depois de uma vida repleta de poder, o legado para quem se torna um mafioso é estar sozinho esperando a morte chegar.