A saga dos quadrinhos Guerra Civil escrita por Mark Millar foi um marco para o gênero nos anos de 2006/2007. Dividida em sete fascículos, a história estabelecia o que seria mais importante: Segurança ou a Liberdade? A HQ surgiu em um período pós os eventos do 11 de setembro e Guerra no Iraque nos EUA. Quem acompanhou os quadrinhos da Marvel durante esses anos, percebeu que as narrativas implementavam sua posição dos fatos que ocorriam no mundo. Foi assim, por exemplo, na década de 60 com o surgimento dos X-Men, marcada por um forte período de segregação racial.
10 anos mais tarde, eis que chega aos cinemas Capitão América: Guerra Civil, que não chegou neste ano de 2016 por acaso. Além de ser uma resposta ao que seria o maior duelo de super-heróis da história com Batman vs Superman (o que não foi!), a Marvel Studios sabe que o período atual, principalmente, aqui no Brasil com nossa crise política, remete um filme que possa deixar uma discussão, uma reflexão acerca do que está acontecendo. Dirigido por Joe e Anthony Russo (Capitão América: O Soldado Invernal), o longa segue um caminho diferente da HQ, o que já era esperado, mas toda a essência está ali. A discussão política, divergências de opiniões e a questão da perspectiva de cada herói é muito bem construída.
A trama começa com as principais autoridades políticas ao redor do mundo questionando as consequências das ações dos Vingadores, que chega ao estopim com uma ação que acaba deixando muitos feridos na Nigéria. Capitão América (Chris Evans) e sua equipe são responsabilizados e o Estado exige uma resposta. Tentando apaziguar os ânimos, Tony Stark (Robert Downey Jr.) decide acatar com as ordens, percebendo que não há outro caminho a não ser assinar o Tratado de Sokovia, que obriga os Vingadores a trabalharem para o governo e serem requisitados somente se necessário. O grupo então se divide, tendo aqueles que são a favor e aqueles que são contra. Para Steve Rogers, isso seria uma afronta à liberdade, já que foi moldado por princípios iluministas durante sua época na Segunda Guerra. Para Tony Stark, isso é uma forma de diferenciar os heróis dos vigilantes e vilões.
Assim como na HQ, o longa Guerra Civil propõe que não há certo ou errado. Os dois argumentos são válidos, sendo uma questão de perspectiva e, principalmente, atitudes dos heróis. Nos quadrinhos, as atitudes de Stark acabam pesando mais, enquanto que no longa Rogers vai um pouco além pela presença do amigo Bucky Barnes (Sebastian Stan). O personagem é uma figura central neste filme, definindo o tom da história e sendo um dos principais motivos pelo duelo do Homem de Ferro e Capitão América.
O roteiro de Christopher Markus e Stephen McFeely segue uma narrativa que não perde jamais o ritmo. Ele conseguiu utilizar de maneira efetiva algumas liberdades criativas para que a história fique apenas no núcleo Vingadores.
Um dos muitos receios sobre este filme seria a quantidade de personagens, e observem que nem se compara com o número exorbitante na obra original. Diante disso, o longa consegue utilizar bem cada herói, explicando de maneira efetiva suas motivações e escolhas. Contudo, os estreantes no universo Marvel Studios roubam a cena.
Começando pelo Pantera Negra de Chadwick Boseman, que emprega uma postura ideal para o herói de Wakanda, com um sotaque perfeito de alguém de origem africana e não decepcionando nas cenas de ação. Mas, o amigão da vizinhança merece todo o destaque. A nova versão do Homem-Aranha não poderia ter sido melhor. Tom Holland apresenta o Peter Parker mais próximo das HQs, um jovem e talentoso cientista que chama a atenção de Tony Stark. O carisma do ator é inegável e sua fisionomia lembra deveras o jovem aranha que sempre almejamos ver. Nas cenas de ação, o Cabeça de Teia não decepciona e demonstra o porquê de ser um herói tão querido. Vê-lo em cena ao lado dos Vingadores foi um sonho realizado para qualquer fã de quadrinhos. E o mais importante: sua introdução não soou forçada no filme e sua origem não precisou de “uma história não contada” que a Sony tentou estabelecer em O Espetacular Homem-Aranha. Bastou alguns minutos para compreendermos de onde Peter Parker veio. Mas, claro, muito mais do pirralho será explorado em seu filme solo.
Outro personagem inédito MCU é o Zemo interpretado por Daniel Bruhl. O conhecido algoz do Capitão América em nada se assemelha com a versão dos quadrinhos e suas motivações não são tão bem exploradas no longa. Sua função mais existe para definir o ato final. É esperado que o personagem possa ser melhor explorado, já que Bruhl é um baita ator. Foi o único ponto negativo da produção.
Formado por um grande elenco, todos eles ótimos, não há como destacar a excelente atuação de Robert Downey Jr., a melhor neste filme e de todo o MCU. O ator desempenha uma função primordial para que haja o conflito contra Steve Rogers. Neste filme, Tony Stark começa a sentir o peso de suas ações como Vingador e fantasmas do passado o atormentam. Embora suas atitudes possam gerar um discordância, não há como ficar totalmente contra sua posição. Por outro lado, Chris Evans apresenta um Steve Rogers ciente de que sua posição não é somente a ideal para os Vingadores, mas para os próprios civis. Ser privado do direito de escolha é algo que se discute atualmente em nosso cenário mundial e sempre haverá ressalvas. O conflito de ideias durante o diálogo dos dois principais heróis é um dos pontos altos do longa.
Em relação ao aspecto técnico, os irmãos Russo repetem a mesma competência vista em O Soldado Invernal. As cenas de ação são impecáveis e bem conduzidas. Os diretores têm a sutileza de situar cada herói com suas habilidades peculiares, sem jamais deixar o público confuso com tanta gente saindo no braço. Cada herói tem seu momento de ação e as lutas são bem coreografas e, verossímeis. A fotografia está ótima, usando bem os diversos cenários onde a narrativa se passa. E a trilha sonora é pontual, jamais se sobressai e vai acompanhando o peso dramático da trama.
Ao final, Capitão América: Guerra Civil entrega tudo aquilo que se espera. O longa dá uma lição de que é possível fazer um filme violento, sombrio e sério, sem esquecer da diversão e entretenimento. Se as produções da Marvel Studios fossem pinturas que começaram em 2008 com Homem de Ferro, Guerra Civil seria a obra de arte para ficar em exposição. Uma das melhores, senão, a melhor adaptação de super-heróis do cinema.
Observação: Há duas cenas pós-créditos. Permaneçam na sala, porque a segunda cena deve ser vista.
[masterslider id=”75″]
Resumo
Ao final, Capitão América: Guerra Civil entrega tudo aquilo que se espera. O longa dá uma lição de que é possível fazer um filme violento, sombrio e sério, sem esquecer da diversão e entretenimento. Se as produções da Marvel Studios fossem pinturas que começaram em 2008 com Homem de Ferro, Guerra Civil seria a obra de arte para ficar em exposição. Uma das melhores, senão, a melhor adaptação de super-heróis do cinema.