Paul Verhoeven ficou marcado por filmes de violência inabalável, que exploram o sexo e um senso de humor quase cruel. Filmes como RoboCop e O Vingador do Futuro causaram impacto com a violência brutal. O cineasta sempre deixou bem claro para esperar o inesperado em suas produções. Contudo, o diretor fora crucificado com o horrível Showgirls (1996) e incompreendido com o subestimado Tropas Estelares (1997).
O drama Elle, o primeiro em língua francesa do diretor, marca a sua volta em grande estilo. Claro, o filme gerou controvérsia por tratar de um tema delicado: o estupro. A sequência inicial já mostra ser um filme diferente. Sobre uma tela preta, ouvimos sons de um ataque com a chocante cena de estupro de Michele (Isabelle Huppert) por um invasor mascarado. Quando o estupro termina, Michele não liga para a polícia, não entra em desespero, ela recolhe os objetos quebrados em sua residência e começa a pensar no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Seria Michele uma vítima passiva? Porque ela não reage e busca denunciar o seu agressor?
É aí que Elle busca fugir do mais do mesmo. Não é um longa sobre vingança ou sobre alguém sofrendo por um ato tão horripilante. Compreendemos (ou não) Michele quando acompanhamos o seu cotidiano: uma relação complicada com a mãe e uma tentativa de alertar o filho sobre sua companheira interesseira. De cara, Michele não faz perfil de vítima ou coitadinha quando no trabalho como chefe executiva de uma empresa de videogames, ela sabe o quão difícil é chegar ao topo de sua profissão com a maioria dominada por homens. Quando um empregado a desrespeita no trabalho ela não demonstra fraqueza, vai atrás de investigar o funcionário para se aproximar ainda mais dele com as informações que consegue.
O longa busca responder a personalidade difícil de Michele quando é revelado que em sua infância sofrera violência e abusos do pai, que deixou uma marca permanente. A partir daí, ela criou um escudo protetor. Diante disso, ela não aceita ser controlada, não aceita compromissos com alguém. Depois do divórcio, mantém uma relação próxima do ex-marido, que ainda sente algo por ela. Mas ela se recusa a ser controlada. Seu caso de meses é apenas por algo sexual, abrupto, um prazer que some minutos depois do coito. Ao buscar compreender o porque dela não denunciar seu estuprador, que volta a violenta-la e envia SMS’s, fica evidente que ninguém é capaz de machucá-la depois de tudo que enfrentou, nem mesmo seu estuprador. Ceder seria um reconhecimento de que essas pessoas têm algum controle sobre ela.
Nada disso seria compreensível se não fosse Isabelle Huppert, que entrega uma performance magnética, impactante e devastadoramente emocional. É percebido em seu olhar uma tremenda força para segurar todo o ódio e a raiva nos ombros. Quando a ferida é cutucada, vemos sua real face. Huppert consegue trabalhar esses dois lados de Michele com extrema maestria. Uma atuação que não se compara com suas candidatas ao Oscar de Melhor Atriz.
Elle é um filme áspero e não convencional, pois ele força a compreender o mais sombrio comportamento humano: a luxúria, a violência. Ele ousa em mostrar que o estupro pode não ser a origem de um trauma, mas resposta para superar um trauma ainda maior. Instigante, poderoso e brutal, um grande retorno para o esquecido Paul Verhoeven.
Excelente
Elle é um filme áspero e não convencional, pois ele força a compreender o mais sombrio comportamento humano – a luxúria, a violência. Ele ousa em mostrar que o estupro pode não ser a origem de um trauma, mas resposta para superar um trauma ainda maior. Instigante, poderoso e brutal, um grande retorno para o esquecido Paul Verhoeven.