Os irmãos Joseph e Anthony Russo tinham uma enorme responsabilidade em suas costas: adaptar uma das maiores e consagradas sagas do Universo Marvel, a Guerra Civil. História feita pós 11 de Setembro de 2001, quando a seguinte questão permaneceu na cabeça de todo povo americano “Devemos trocar nossa liberdade em prol da nossa segurança?“. Nos quadrinhos, os heróis teriam que se registrar, revelar suas respectivas identidades e atuar a mando do governo. O Homem de Ferro fica no lado do governo defendendo a segurança, e o Capitão América no lado da liberdade. Essa é uma das premissas principais da Guerra Civil, mas como funciona no filme?
Os acontecimentos do Universo Cinematográfico da Marvel culminaram na Guerra Civil, dos quais são citadas a destruição de Nova Iorque, de Washington DC e Sokovia, além de uma nova catástrofe, inspirada essencialmente no arco dos quadrinhos. Essa soma de destruição traz o sentimento de culpa para a maioria dos Vingadores e o mais afetado é o próprio Anthony Stark, criador do Ultron e principal responsável pelo acidente de Sokovia. Os governos de díspares países assinam o famoso Acordo de Sokovia, solicitando que todos os super-heróis trabalhem para o governo e sejam acionados somente quando ele solicitar, evitando que eles atuem de forma livre pelo mundo. Isso causou a cisão dos Vingadores, mas não é o único foco do filme.
Os Russos tinham que dar sequência ao que foi feito nos últimos filmes do Sentinela da Liberdade, abordando a relação com Bucky Barnes (Sebastian Stan) e trazer o foco da Guerra Civil ao protagonista, o próprio Capitão América – e eles conseguiram. Trata-se de um filme dele, não um Vingadores 2.5, como foi especulado, assim que a película foi anunciada. Mesmo assim, somos apresentados a ambos pontos de vista de todo conflito, percebemos que cada lado tem sua própria razão e uma conjectura plausível para isso; mas sabemos que o embate entre eles torna-se cada vez mais inevitável. Esse é um dos pontos em que o filme brilha, conseguindo desenvolver um drama pessoal pra cada personagem, justificando suas atitudes ao longo do filme. E esse aspecto da trama fica ainda mais fácil de se assimilar quando temos uma enormidade sequência de filmes que nos contam sobre cada um dos vingadores; nós já os conhecemos, sabemos suas motivações e suas respectivas personalidades. Guerra Civil não seria possível sem toda essa bagagem emocional que carregamos de todos os personagens envolvidos no filme, entretanto, existem duas novas peças chave aparecendo pela primeira vez: Pantera Negra e Homem-Aranha.
Homem-Aranha foi fruto de uma novela entre Marvel Studios e Sony Pictures; as empresas tentaram conciliar seus universos durante anos. A primeira tentativa foi em 2012, quando O Espetacular Homem-Aranha saiu nas telas de cinema. O estúdio da Marvel esperou o envio de toda arquitetura do prédio da Oscorp para inseri-lo no filme dos Vingadores, mas a Sony não conseguiu terminar a tempo e o filme acabou estreando sem o easter egg. Desde então, essa conversa de união acabou ficando somente nos bastidores e ocorreu finalmente após o fracasso de bilheteria e crítica de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro. O ator Tom Holland foi anunciado como o novo Amigão da Vizinhança, e dentro do filme, ele é espetacular. O Cabeça de Teia não tem uma participação essencial dentro do enredo, trata-se de uma aparição pontual, histórica e extremamente divertida, honrando o personagem da forma que nenhum outro filme conseguiu. Ele luta fazendo piadas o tempo inteiro (com referências extremamente nerds), age como um verdadeiro adolescente no meio de uma luta de adultos, usa seus cartuchos de teia e tem movimentos acrobáticos retirados das páginas de quadrinhos. Quando ele apareceu, tanto como Peter Parker quanto como Homem-Aranha, o cinema veio abaixo. Mal podemos esperar para vê-lo em seu filme solo, Spider-Man: Homecoming.
O Pantera Negra, interpretado de maneira fenomenal por Chadwick Boseman, tem uma importância muito mais significativa dentro da trama da Guerra Civil, permanecendo do início ao fim do filme. Somos apresentados as suas raízes de Wakanda, toda sua crença, ao manto e significado do Pantera Negra na sua terra. Dentro de toda proposta do filme, T’Challa funciona muito bem, além de ser brilhante, por parte da Marvel, trazer um personagem historicamente importante para os cinemas. O Pantera Negra foi criado justamente quando não haviam personagens negros significativos nos quadrinhos, e ele era a representação de um negro fazendo parte da realeza de um povo que nunca foi escravizado. Dentro de todo conceito cultural da época, ele é um dos personagens mais importantes da Marvel. No contexto da Guerra Civil, ele é fundamental no embasamento político do Acordo de Sokovia, assim como no desenrolar de toda trama em diante. Nas mãos dos irmãos Russo, que sabem respeitar cada personagem como verdadeiros fãs, o Pantera Negra se sobressaiu, deixando ansiosos os entusiastas que querem ver seu desenvolvimento no filme solo.
As sequências de ação, principalmente todo duelo do aeroporto (acredite, você não viu nada dela em todo material divulgado até então), são as melhores dentro de um filme baseado em história em quadrinhos. Posso ir mais longe: quiçá da história do cinema. É incrível a forma que Joseph e Anthony sabem trabalhar cada momento de ação, sem deixar o espectador perdido em um caos visual de muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, como foi em Vingadores: Era de Ultron. Além da ação, os diretores sabem trabalhar muito bem o balanceamento do humor e do drama, sem quebrar momentos tensos do filme com piadas desnecessárias. Homem-Formiga (Paul Rudd) é também um dos personagens que consegue roubar a cena quando aparece, principalmente por ser a primeira vez que se reúne junto com todos os outros vingadores. Sendo pequeno, ele consegue roubar um grande momento do filme. Vemos também uma evolução notável da Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), utilizando seus poderes com muito mais habilidade e eficiência, além de estar extremamente mais forte. O próprio Falcão (Anthony Mackie) teve seus upgrades e está muito mais significativo no campo de batalha. Cada um tem seu momento de brilhar, e alguns conseguem ofuscar os próprios protagonistas e antagonistas do filme, Capitão América e Homem de Ferro.
Os destaques de atuação são de Chris Evans e Robert Downey Jr.,que entregam performances dignas de cada personagem, mostrando que a cada filme que fazem conseguem se sentir mais a vontade e conhecer melhor os personagens que interpretam. Por parte dos coadjuvantes, Tom Holland e Chadwick Boseman se destacam mais do que os outros, trazendo uma nova perspectiva ao universo que já conhecemos.
O terceiro ato – e mais emocionante do filme -, se destaca pelo peso emocional de cada diálogo e de cada momento de ação. Todo golpe, seja ele desferido por Steve Rogers ou Tony Stark, tem um peso dramático. Daniel Brühl faz o papel do vilão Zemo, sendo o único ponto negativo e talvez desnecessário do filme, servindo somente como plot para que determinados eventos aconteçam. Já existe muito conflito entre os personagens, o que me faz questionar se ele realmente era necessário dentro da trama. Daniel atua muito bem dentro da proposta que lhe foi dada, mas seu personagem permanece oculto para, talvez, uma nova aparição em futuros filmes. Apesar disso, Capitão América: Guerra Civil é um filme impecável. Dando vida as páginas escritas por Mark Millar e desenhadas por Steve McNiven, os irmãos Russo fazem essa luta épica ser um presente aos fãs. As consequências da Guerra Civil vão moldar o Universo Marvel em diante, e ao final do filme, temos a sensação de que esse momento pontual de toda história que foi construída desde o primeiro Homem de Ferro é apenas um episódio do que ainda está por vir.
Capitão América: Guerra Civil deixa em aberto diversas lacunas a serem preenchidas com o restante da fase 3, e mesmo com a sensação episódica, é um dos melhores filmes de quadrinhos de todos os tempos; por tudo que foi construído antes e por tudo em que resultou.
Resumo
Os irmãos Joseph e Anthony Russo tinham uma enorme responsabilidade em suas costas: adaptar uma das maiores e consagradas sagas do Universo Marvel, a Guerra Civil. Nos quadrinhos, os heróis teriam que se registrar, revelar suas respectivas identidades e atuar a mando do governo. Homem de Ferro fica ao lado do governo defendendo a segurança, e o Capitão América ao lado da liberdade. Essa é uma das premissas principais da Guerra Civil, mas como funciona no filme? De forma espetacular.