Crítica | Até o Último Homem marca retorno de Mel Gibson

Desmond Thomas Doss foi um soldado americano, sendo o primeiro e único objetor consciente (pessoa que segue princípios religiosos, morais e éticos discrepantes com o serviço militar), a receber uma Medalha de Honra na Segunda Guerra Mundial. Durante a Batalha de Okinawa, sem a utilização de qualquer armamento de fogo, Doss salvou a vida 75 soldados – incluindo a do seu próprio superior. Hacksaw Ridge (título oficial do filme) conta de forma brilhante e visceral a trajetória de Desmond, marcando o retorno de Mel Gibson ao cinema. Ironia do destino ou não; o diretor volta às produções cinematográficas contando uma história de guerra com uma mensagem significativa de paz.

O coração deste longa-metragem está na forma em que a direção e o roteiro escrito por Robert Schenkkan e Andrew Knight questionam: como um membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia entra em um campo de batalha onde é necessário atirar para permanecer vivo? As faces da guerra são amplamente questionadas ao longo da trama, sendo a religião um papel fundamental na posição de cada personagem no conflito. A fé de Desmond guiava-o para servir sem tocar em qualquer arma de fogo e, consequentemente, não tirar nenhuma vida. Sua vontade contradizia todos os ideais de uma batalha de escala global, assim como também contradizia a vontade de sua família – que não queria que ele servisse – , e de seus companheiros de guerra. É notório o esforço que Gibson faz para mostrar as díspares formas em que a fé de Doss foi testada, duvidada e satirizada por seus companheiros, algo que se tornou fundamental para o crescimento dele e para o clímax dramático do filme.

O inicio de Hacksaw Ridge tem um clima de conflito familiar semelhante aos filmes de John Ford (How Green Was My Valley), mostrando o dia-a-dia de Desmond, a relação com seu irmão, Harold Doss (Nathaniel Buzolic), os problemas que a Primeira Guerra trouxe ao seu pai, Tom Doss (Hugo Weaving), e afetaram toda família, principalmente a mãe, Bertha Doss (Rachel Griffiths), que lidava com o alcoolismo e a violência diária de seu marido. A figura de Tom Doss contrapõe a leveza do ato inicial, já que são extremamente nítidas as consequências da guerra em seu semblante, tal como nas vestimentas e forma de agir. Por outro lado, o interesse amoroso de Doss, Dorothy Schutte (Teresa Palmer), traz uma carga sutil para o roteiro dramático, onde Gibson soube conduzir os atores através da inocência de suas atuações. Além disso, o diretor sempre alertar que o mundo está em guerra, seja com soldados desfigurados postergando o hospital ou com a enorme propaganda de alistamento durante uma sessão de cinema, o que traz um questionamento vital para Desmond: como posso continuar trabalhando enquanto há homens lutando e morrendo para defender esse país?

Por favor, Senhor, me ajude a salvar mais um”, pedia Andrew Garfield, na pele de Desmond Doss, enquanto descansava por segundos na terra sangrenta de Okinawa antes de erigir-se em busca de um novo soldado para resgatar. A performance do ator britânico é louvável, como também é a melhor de sua carreira, fazendo jus a sua indicação ao Oscar. Garfield soube trabalhar a leveza e a inocência de um jovem, assim como soube transpor seus inúmeros conflitos internos, sua vontade de salvar o próximo e, principalmente, traduzir a incrível fé de Desmond até o fim do filme. Outro ponto de destaque é o caráter cômico extremamente bem executado por Vince Vaughn, que interpreta o Sargento Howell, nêmesis de Doss durante seu período de treinamento. A ironia da relação de ambos é muito bem contada, como também tem base em documentários reais da vida de ambos. Gibson acerta em cheio na escalação de seu elenco, mas é na ação e construção do âmbito nefasto da guerra que sua direção brilha.

Os soldados americanos escalaram um grande muro para chegar à batalha. Uma vasta neblina toma conta do cenário, e o sangue derramado, assim como as vísceras expostas – sejam elas aliadas ou inimigas – refletem o pavor da guerra nas expressões de cada fuzileiro. A incerteza de que sairiam daquele local com vida transbordava o medo da maioria do batalhão. O veterano coordenador de efeitos especiais, Chris Godfrey (O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel) trabalha com exímia perfeição a carnificina da batalha, dispensando muitos efeitos computadorizados e prezando pelos práticos; o que dá vida para cada membro mutilado espalhado pelo campo de guerra. Gibson soube trabalhar a dualidade do confronto filmando cenas focadas em um rifle atirando em plongée, enquanto os pés do soldado perpassavam por corpos de americanos e japoneses; noutra cena, o diretor mostra um saldado caindo ladeado a outro, abrindo interpretações de que não há vitoriosos na guerra, somente morte.

Hacksaw Ridge abre inúmeros pontos para discussão, sabendo questionar a guerra de muitas maneiras sem esquecer-se de trazer a fé de Desmond Doss como ponto principal para a narrativa. Apesar de o roteiro ter certa fragilidade na hora de solucionar alguns problemas, como o da própria corte marcial, ele acerta em resumir passagens da vida de Desmond para construir seu arco de forma que prenda o interesse do espectador e para que também possa ser comercial.  Mel Gibson retorna triunfalmente à Hollywood, trazendo uma história forte e emocional indicada para seis prêmios do Oscar.

  • Ótimo
4

Resumo

Desmond Thomas Doss foi um soldado americano, sendo o primeiro e único objetor consciente a receber uma Medalha de Honra na Segunda Guerra Mundial. Durante a Batalha de Okinawa, sem a utilização de qualquer armamento de fogo, Doss salvou a vida 75 soldados. Hacksaw Ridge (título oficial do filme) conta de forma brilhante e visceral a trajetória de Desmond, marcando o retorno de Mel Gibson ao cinema. Ironia do destino ou não; o diretor volta às produções cinematográficas contando uma história de guerra com uma mensagem significativa de paz indicada a seis estatuetas do Oscar.