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Bugonia: a fábula de um mundo em ruínas de Yorgos Lanthimos

Bugonia, que estreou mundialmente na competição do Festival de Veneza, foi o filme escolhido para ser exibido para a imprensa após a coletiva da 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. A produção é a quarta parceria entre a atriz Emma Stone e o diretor Yorgos Lanthimos, que já trabalharam juntos em A Favorita, Tipos de Gentileza e Pobres Criaturas, que rendeu à artista o Oscar de melhor atriz. Trabalhando com o roteirista Will Tracy, o diretor fez sua versão do filme coreano de 2003, Salve o Planeta Verde!, mudando o gênero do personagem corporativo.

O título do filme evoca uma antiga crença grega segundo a qual abelhas podiam surgir espontaneamente de carcaças de vacas em decomposição. No filme, essa alegoria é usada como metáfora do estado atual da civilização: uma sociedade em colapso tentando gerar vida a partir da morte, de um sistema podre. Teddy (Jesse Plemons), é um apicultor devastado pela diminuição progressiva da população de abelhas, que atribui a culpa da devastação ecológica ao vasto conglomerado varejista/farmacêutico, Auxolith Corp, administrado pela rainha do gelo corporativa, Michelle (Emma Stone). Sua empresa também feriu gravemente a problemática mãe de Teddy, Sandy (Alicia Silverstone), com seus medicamentos experimentais para abstinência de opioides.

Emma Stone, a musa do diretor Yorgos Lanthimos, retrata sua personagem com uma crueldade impecável e nítida. Michelle, com sua altivez de CEO sociopata, seus saltos altos e sua mansão, é uma personagem que estamos fadados a enxergar e desprezar, mas o diretor brinca com a identificação do público: apesar de sabermos que Michelle é uma figura detestável, somos levados a torcer por ela em alguns momentos, num jogo emocional complexo e desconcertante.

A empresária acorda às 4h30 todos os dias para vários treinos esportivos. Logo no início, a assistimos gravar um vídeo para o RH sobre o comprometimento da empresa com a diversidade. Quando ela reclama, após uma tomada malfeita, que o roteiro do vídeo a faz repetir a palavra “diversidade” com muita frequência, ela está certa, mas sua ponta de raiva nos leva ao subtexto, ela ficaria mais feliz se não dissesse nada. Michelle chega ao escritório cedo para garantir à sua equipe intimidada que, após a má publicidade sobre uma crise de excesso de trabalho, eles podem sair do trabalho às 17h30, se realmente acharem que merecem (em outras palavras, quem optar por não ficar provavelmente está frito).

Bugonia | Veja o trailer do novo filme de Yorgos Lanthimos

Desconfiado da grande mídia, Teddy tem feito sua própria pesquisa na internet sobre capitalismo e conspirações elitistas, e agora acredita que Michelle é uma alienígena maligna. Com seu primo inocente (Aidan Delbis), ele decide criar um plano para sequestrar e torturar Michelle em seu porão, até que ela e seus companheiros do planeta Andrômeda prometam deixar os terráqueos em paz. Ele nos dá uma pitada de motivação na narração de abertura do filme, que foca na maravilha natural das abelhas, flores e pólen, mas com uma referência indireta à DCC (Transtorno do Colapso das Colônias), um fenômeno complexo no qual as abelhas operárias abandonam a colônia. Uma síndrome ecológica desastrosa que pode ser desencadeada pelo uso de pesticidas. Em outras palavras: os pesticidas fabricados pela Auxolith Corp. Mas isso é apenas a ponta do iceberg tóxico.

Jesse Plemons tem se mostrado um excelente ator e é muito eficiente como o fanático Teddy. Há algo sutil e inesperado em seu relacionamento com o policial local Casey (Stavros Halkias), que o procura, inibido em sua investigação por algumas dolorosas lembranças compartilhadas de sua infância. Ele é uma figura trágica e patética. Ao mesmo tempo vítima e algoz, Teddy é fruto de uma sociedade em colapso que oferece apenas desinformação e desespero, um incel hippie desprezível e carrancudo que parece ter queimado tudo de si, exceto o desejo de vingança. Ele é o líder dos dois primos e o plano deles, eles executam com uma engenhosidade impressionante. Por mais que esteja furioso com o que aconteceu com sua mãe, Teddy também é um ecoterrorista fanático por conspirações, um jovem que absorveu todas as críticas ao capitalismo e denúncias da cultura político-corporativa existentes. Embora seja extremamente inteligente e esclarecido, há um tom de maluquice em suas ideias.

Ele sequestrou Michelle porque está convencido de que ela é alienígena. É por isso que raspam a cabeça dela, afinal Teddy acha que é através dos folículos capilares que ela se comunica com seus supervisores alienígenas. Seu plano é forçá-la a falar com seu imperador alienígena para consertar o mundo. Após ser sequestrada, a reação de Michelle passa pelos sete estágios do luto ao se ver acorrentada a uma cama em uma casa precária. Ela alterna entre fazer exigências e ameaças imperiosas, diplomacia cautelosa e súplicas, seguida por uma condescendência com Teddy, concordando que ele está certo e ela é, de fato, uma alienígena. Assim que Michelle, com sua cabeça careca e olhos brilhantes, se acomoda em cativeiro, ela começa a se envolver com Teddy, mesmo que seja apenas para manipulá-lo. Seus métodos também funcionam com o público: ela pode ser uma canalha, mas é um ser humano, e instintivamente não queremos ver alguém tratado dessa forma. Queremos ver Michelle escapar, porque isso faz parte da lógica de como os filmes funcionam. Na troca de farpas entre Teddy e Michelle, o humor astuto característico de Lanthimos prende nossa atenção.

Teddy acredita que ele e Donny precisam derrotar Michelle antes do próximo eclipse lunar, que ocorrerá em três dias, se quiserem se teletransportar para sua nave-mãe e negociar para que sua espécie deixe a Terra em paz. Cada dia, portanto, é um ato único, com uma contagem regressiva mostrando a Terra se tornando cada vez mais plana.

Bugonia é um filme muito bem feito e, embora não seja verdade que seja menos do que a soma de suas partes, é menos do que aquela parte final e muito poderosa. De forma divertida, aborda temas como a falta de crédito da população na ciência, o apagamento da população rural, a ganância corporativa e as escaramuças da guerra cultural que vem acontecendo. É um filme sobre alienígenas julgando a podridão da nossa espécie, mas que não tem a engenhosidade e a elegância do filme anterior de Lanthimos, Tipos de Gentileza, nem a generosidade emocional e a audácia de sua fantasia Pobres Criaturas. 

Bugonia ainda tem uma sessão na 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, que acontecerá em 27 de outubro, às 16:40 no Cultura Artística. A estreia oficial do filme nos cinemas brasileiros acontece em 27 de novembro, com distribuição da Universal Pictures.

3.5

Muito bom

Bugonia é um filme forte, provocador, estilisticamente refinado e com atuações marcantes, sobretudo de Emma Stone e Jesse Plemons. Ainda que a sátira funcione muito bem e o desconforto seja eficaz, sua força simbólica talvez seja maior do que seu impacto emocional.

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