A história de culturas e sociedades frequentemente serve como objeto de estudo para entendermos muitos dos problemas modernos enfrentados pelas novas gerações. No entanto, algumas dessas narrativas acabam sendo ocultadas por forças maiores, que, em um esforço de esconder seus próprios horrores, silenciam vivências passadas que ainda hoje têm impacto cultural significativo. Em As Polacas, a missão do diretor João Jardim é revelar uma dessas histórias esquecidas. O filme aborda eventos reais do século XX, quando mulheres judias polonesas vieram ao Brasil fugindo da Primeira Guerra Mundial, mas acabaram sendo vítimas de um esquema de prostituição, forçadas a viver suas vidas em bordéis.
A trama acompanha Rebeca, uma refugiada que chega ao Brasil em 1917 em busca de uma vida melhor ao lado do filho e do marido. Porém, ao desembarcar no Rio de Janeiro, descobre que o companheiro havia falecido, tornando-se então refém de uma rede de tráfico de mulheres liderada pelo cruel e frio Tzvi, interpretado brilhantemente por Caco Ciocler. Com seus destinos controlados por homens que as subjugam, Rebeca se une a Deborah e outras mulheres para lutar por sua liberdade.
O grande mérito de As Polacas está na sensibilidade com que aborda um tema tão negligenciado. A narrativa frequentemente assume um tom pessoal, como se o que ocorre na tela fosse uma denúncia e uma oportunidade única de dar voz a mulheres silenciadas. Nesse aspecto, o filme se destaca, cativando com a relação entre as personagens, ponto crucial para transmitir ao público a gravidade da situação vivida por elas. Valentina Herszage (Ainda Estou Aqui) e Dora Freind (Medusa) aproveitam bem o tempo em tela, humanizando as reações de suas personagens e tornando a química entre elas o coração da história.
O principal problema de As Polacas está no ritmo e na edição pouco inspirada. O roteiro, escrito por George Moura, Teresa Frota e Flávio Araújo, é baseado nos livros El Infierno Prometido (Elsa Drucaroff) e La Polaca (Myrtha Schalom) e consegue denunciar um capítulo pouco discutido da história brasileira. Contudo, é evidente que houve tropeços ao adaptar essas inspirações. Muitas discussões interessantes apresentadas ao longo da trama são deixadas de lado e tratadas apenas como recursos narrativos, como a “Sociedade da Verdade” (grupo de trabalhadoras judias que servia de refúgio para orações), que aparece em apenas duas ou três cenas. Além disso, as imagens de época inseridas ao longo do filme carecem de contexto e, em vários momentos, parecem desnecessárias.
A sensação que fica é que o filme poderia ter pelo menos quinze minutos a menos de duração. Diálogos repetitivos e personagens perdidos na trama evidenciam a falta de criatividade narrativa em concluir os núcleos e entregar cenas que poderiam ser extremamente emocionantes. Um exemplo claro é Isaac, que, apesar da boa atuação de Amaurih Oliveira, poderia ter sido um elo para conectar diferentes pautas sociais da época. No entanto, seu arco tem um desfecho previsível e clichê.
Em vários momentos, as limitações orçamentárias se refletem nos cenários e figurinos, que não conseguem transmitir sentimentos ou mensagens com profundidade. Por outro lado, a fotografia é cativante, utilizando elementos de luz natural para evocar sensações de desespero e solidão. Apesar disso, a direção de arte poderia ter sido mais criativa, explorando formas menos convencionais de contar essa história.
Ainda assim, As Polacas acerta ao transformar muitas cenas em palcos teatrais, permitindo que os atores brilhem e transmitam a essência de seus personagens. Essa escolha dá ao filme um tom emocional verdadeiro e necessário, essencial para representar essas mulheres com dignidade e expor suas dores ao público.
Com uma crítica social relevante e atual, As Polacas se firma como um filme importante ao dar visibilidade a histórias que o tempo tentou apagar, seja pela força masculina ou pela negligência do acervo histórico e cultural do país. A maior protagonista do longa é a dor, compartilhada entre as personagens e o público, que se sente angustiado do início ao fim. Apesar das falhas, o filme dirigido por João Jardim merece reconhecimento por abordar temas como imigração, tráfico humano e exploração sexual, que infelizmente ainda são recorrentes nos dias de hoje.
As Polacas já está em cartaz nos cinemas brasileiros, com distribuição da Imagem Filmes.
Bom
Com boas atuações de Valentina Herszage, Dora Freind e Caco Ciocler, As Polacas é uma denúncia de histórias que foram silenciadas ao longo do tempo.