Em A Odisseia de Enéias acompanhamos o personagem titular, filho mais velho de uma rica família romana. Inspirando-se levemente na Eneida de Virgílio, esse homem de quase trinta anos vê sua falta de rumo interrompida quando uma nova oportunidade lhe cai na cabeça: vender vinte quilos de cocaína para um chefão local.
O filme começa com Enéias (Pietro Castellitto) e seu melhor amigo, Valentino (Giorgio Quarzo Guarisco), conversando com Marina (Chiara Noschese), mãe do protagonista, sobre pessoas destruídas e com um futuro incerto pela frente. Ele propõe um brinde ao clã, ao valor da família, biológica ou por escolha, mas isso parece um sentimento superficial vindo de um protagonista tão absorto em si mesmo. Enéias administra um restaurante de sushi de luxo, além de uma variedade de negócios não tão honestos. Apesar de ser empresário, seus dias são tomados por um tédio que só o privilégio pode trazer. Jovem, bonito e sofisticado, passa as noites de boate em boate, os dias jogando tênis e o tempo livre traficando e tagarelando incansavelmente sobre o vazio que o invade.
O filme alterna entre as duas paisagens paralelas: o ambiente familiar e as aventuras criminosas. Apesar da família parecer bastante estruturada e intelectual – sua mãe apresenta um talk show na televisão sobre literatura e seu pai é psicanalista – não são tão pé no chão assim. O pai distribui psicotrópicos para a própria família e esconde um vício. A mãe está frustrada e consciente da inutilidade de sua própria missão profissional. Quando Enéias conquista a bela Eva (Benedetta Porcaroli), a moça finge não notar a amoralidade mal disfarçada do namorado, além disso, serve apenas como um troféu. O próprio diretor interpreta Enéias e, numa analogia apropriada, dirige seu pai, Sergio Castellitto, e seu irmão mais novo, Cesare Castellitto, nos papéis do pai e do irmão mais novo do protagonista.
Pietro Castellitto tenta desconstruir o aspecto criminal para não cair na armadilha do gênero, apesar dele mesmo definir sua obra como um filme de gangster sem a parte de gangster, mostrando-nos criminosos críveis e pessoas consideradas decentes flertando com eles, como acontece na vida real, com consequências explosivas que ninguém consegue conter. Enéias sugere que permanecer fiel à família é mais importante do que permanecer fiel à verdade – o princípio em que se baseia qualquer tipo de máfia. O diretor e roteirista também insere na história o personagem do jornalista e escritor investigativo Oreste Dicembre (Giorgio Montanini), ambíguo e oportunista, que descobre a ligação do protagonista com a criminalidade e pode colocar Enéias em apuros.
Um filme longo e prolixo que pretende investigar a hipocrisia, a superficialidade e a decadência moral dos italianos ricos, mas que parece estar inserido demais nesse mundo para ter impacto. É repleto de técnica chamativa e floreios estilísticos ostentosos, mas não tem quase nada de notável a dizer. Apesar de ser uma explosão de som, fúria e enquadramentos meticulosamente pensados, A Odisseia de Enéias deixa a sensação de ter não ter realmente demonstrado seu ponto de vista sobre nada. Em sua exploração da juventude sem rumo em um mundo cada vez mais apático, parece tão vazio quanto seus personagens.
A Odisseia de Enéias estreia nos cinemas brasileiros no dia 19 de junho, com distribuição da Pandora Filmes.
Regular
A Odisseia de Enéias é como seu protagonista, belo e ousado, mas vazio.