A Meia-Irmã Feia | Releitura de Cinderela é aterrorizante, grotesca e um sopro de esperança para o cinema de terror

A Meia-Irmã Feia surge em um momento oportuno para o cinema de terror. Em meio ao sucesso comercial do gore de Terrifier e ao burburinho sobre as péssimas releituras dos clássicos infantis, como Ursinho Pooh: Sangue e Mel, o longa se sobressai ao trazer qualidade estética e profundidade narrativa, onde os dois títulos citados deixam, e muito, a desejar.

Nessa releitura do conto da Cinderela, acompanhamos de perto a história da meia-irmã Elvira, que deseja, mais do que tudo, casar-se com o príncipe e viver uma vida de amor ao lado dele. Em meio à pressão familiar e estética, aos problemas financeiros e à eterna comparação com Cinderela (no filme chamada de Agnes), a garota é induzida a passar por medidas extremas para se tornar bonita o suficiente para conquistar o príncipe.

A atmosfera opressora é instaurada logo nos primeiros momentos do filme. Apesar das cenas visualmente impecáveis, com uma ambientação que parece realmente ter saído dos contos de fadas, a direção de Emilie Blichfeldt nos deixa sempre inquietos quanto ao que estará por vir no decorrer da história. E, mesmo assim, consegue surpreender, emocionar e enojar o espectador.

A direção de Emilie, que também assina o roteiro, é o que consegue trazer peso e visceralidade à história. O contexto pessoal é um ponto importante para que o filme seja muito mais do que apenas outro gore. Afinal, crescer como uma pessoa do gênero feminino é crescer escutando comentários constantes sobre a aparência. Dietas malucas, limão em jejum, noz milagrosa para emagrecer, remédios, cirurgias e tantos outros truques e procedimentos invasivos passam por nossa cabeça e surgem como uma solução para se tornar uma mulher bonita e conquistar o príncipe.

Essa abordagem, por si só, já seria suficiente para a realização de um filme profundo e perturbador. Mas, felizmente, Emilie Blichfeldt dobra a aposta e traz cenas explícitas e imponentes de gore, que adicionam ainda mais peso à história. Por ser uma narrativa conduzida a partir de um ponto de vista feminino, no sentido da direção, não há cenas sexualizadas sem contexto expressivo. O gore, diferente do que é costumeiro no terror, não parte da agressão ao gênero por si só. Ao estar entrelaçado de forma profunda ao enredo, as cenas ganham muito peso e se tornam ainda mais tensas e agonizantes.

Em relação ao elenco, pouco deixa a desejar, com exceção de um ou outro personagem secundário que assume uma postura caricata e destoa do restante. A escolha de todas as atrizes é sólida. O destaque vai para o trio principal de Elvira (Lea Myren), Agnes/Cinderela (Thea Sofie Loch Næss) e a mãe Rebekka (Ane Dahl Torp), elas conseguem compor suas personagens de maneira sutil por meio de expressões e olhares, é possível perceber que existe muito mais do que o que vemos na tela. As nuances das personagens, e quem sabe das próprias atrizes, trazem mais peso ao material. A jovem atriz Flo Fagerli é outro destaque que, mesmo com uma participação reduzida, consegue oferecer um contraponto de fragilidade e pureza ao contexto.

A Meia-Irmã Feia é muito mais do que uma releitura de um clássico infantil, o longa é um espelho distorcido que reflete a obsessão pela beleza e a crueldade silenciosa e vociferada que ela impõe às mulheres. O horror e o grotesco retoma às origens ao trazer para as telas os medos da mente humana e as imposições da sociedade. Um dos maiores destaques do ano para quem deseja um filme de terror verdadeiramente brutal e com conteúdo.

4

Ótimo

O horror e o grotesco retoma às origens ao trazer para as telas os medos da mente humana e as imposições da sociedade. A Meia-Irmã Feia é um dos maiores destaques do ano para quem deseja um filme de terror verdadeiramente brutal e com conteúdo.

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