Crítica | Logan é visceral, brilhante e revolucionário

Os filmes dos X-Men nunca foram unânimes. A maioria sempre dividiu opiniões de críticas e do público ao longo dos anos, e Logan veio para quebrar esse parâmetro com a mesma facilidade com que se rasga papel molhado. O novo filme do carcaju é um respiro para o gênero de heróis, trazendo um enredo louvável, recheado de drama e ação visceral. Os fãs, tais como Hugh Jackman, podem se sentir representados – e aliviados – com a despedida do personagem interpretado pelo australiano. Como o próprio ator disse na coletiva de imprensa: “Este é o filme que imaginei e tornou-se realidade, mesmo após tantos anos”.  A discrepante tonalidade com os predecessores é notada na cena inicial, onde vemos Wolverine tendo seu sono perturbado por arruaceiros que tentam furtar peças de sua limusine. A prossecução mostra a decorrência dos anos no corpo de adamantium, que o tornou lento e reduziu seus poderes regenerativos, ou seja, a luta corpo-a-corpo é próxima, brutal e dura de assistir. Membros decepados e crânios perfurados são um mero atrativo para uma história bem desenvolvida que soube discutir de forma sutil a dualidade do Wolverine.

Baseado nos quadrinhos de Velho Logan (Old Man Logan), a trama do filme se passa no ano de 2029, com os poucos mutantes que restaram no mundo escondidos num cenário pós-apocalíptico. Isso inclui o próprio Logan e Charles Xavier (Patrick Stewart), que se homiziaram na fronteira com o México. O velho carcaju agora trabalha como chofer, divagando pela cidade e servindo humanos, com o intuito de assomar lucro para abandonar a terra firme, e prover medicamentos para conter a mente mais poderosa do mundo em deterioração. Mesmo que o início mostre a dureza cotidiana dos mutantes, o enredo prova que a vida, do dia para a noite, pode piorar o que já estava péssimo. O advento de uma nova mutante, Laura (Dafne Keen), muda para sempre a vida dos dois, forçando-os a postergar a zona de conforto e enfrentar os demônios do passado como forma de aprendizado para lidar com o presente.

O diretor James Mangold, de forma exímia, acerta na forma que conduz o longa-metragem e nas nuances sutis do roteiro. Nota-se que ele entendeu e respeitou o personagem do início ao fim da produção, tanto pelos diálogos bem escritos como na forma que conduziu o veterano Hugh Jackman durante as gravações. É interessante ver a forma em que James utiliza a metalinguagem no perpassar da narrativa, tendo as revistas em quadrinhos como ponto chave dessa ideia. Laura, como qualquer criança, agarra-se na esperança emanada pelas histórias e crê que sua salvação está diretamente ligada a elas. Logan, por outro lado, despreza a fantasia e repete veementemente que o mundo real é o oposto da ficção. O conflito assíduo entre ambos é outro elemento bem explorado. A convivência serve como crescimento natural de suas personalidades; um busca salvação para ter liberdade; outro busca redenção para a alma enclausurada, que sofre pelas vidas ceifadas por suas garras. Além da relação entre os protagonistas e além mesmo da metalinguagem, o diretor coloca Logan contra seu próprio passado, de forma literal e figurativa. O velho integrante dos X-Men passou o decorrer de sua trajetória atormentado pelo propósito de sua criação, mas aprendeu a lidar (ou apenas sentiu-se anestesiado) com o passar do tempo. James traz à tona esse embate, colocando Logan contra seu antigo eu desalmado, mostrando o contraste da evolução do personagem desde sua primeira aparição nos cinemas.

O elenco condecorado acompanha a ambição do roteiro. Todos os intérpretes trabalharam de forma opulenta, mas os destaques ficam por conta de Patrick Stewart, Dafne Keen e, claro, Hugh Jackman. O desempenho da atriz mirim é admirável, fazendo a X-23 roubar o brilho das câmeras sempre que entra em ação. A personalidade taciturna e selvagem é decifrada com suas expressões, pouco necessitando de diálogos. Por outro lado, Patrick traz uma brilhante visão do que seria um Xavier com a mente danificada. Quando não ingere seus remédios, aborda assuntos sem sentido e age de forma exorbitantemente divergente do que estamos acostumados; a postura de homem sábio se esvai nesses momentos e é retomada quando anestesiado pelos medicamentos. Hugh Jackman, acostumado a interpretar o Wolverine, traz uma nova faceta ao mutante imortal: sua velhice na forma de andar e o semblante de dor estão presentes em (quase) todo percurso do filme, sendo substituído quando adota sua particularidade selvagem. Caliban (Stephen Merchant) está irreconhecível debaixo da maquiagem e de uma performance exemplar. Os vilões Pierce (Boyd Holbrook) e Doutor Rice (Richard Grant) não deixam nada a desejar, mesmo que o foco do enredo esteja nas relações e nos conflitos do protagonista.

Logan pode ser considerado uma película stand-alone, tornando-se acessível para as pessoas que não acompanharam a saga desde o início. O público pode entrar na história sem medo de perder-se, pois poucas são as citações ao passado dos mutantes, tanto como sua extinção. O foco, mais uma vez, está nos dramas pessoais de Wolverine e no seu crescimento ao lado de Laura, que se desenvolve como um clássico road movie. Logan torna-se um marco por saber utilizar muito bem sua alta censura na forma de contar uma história madura, deixando o clichê de que filmes de heróis precisam ser divertidos e coloridos de lado. Arcos dramáticos e uma carnificina que receberia elogios de Quentin Tarantino assomam qualidades pontuais ao longa-metragem. A trilha sonora e a paleta de cores utilizada na fotografia acrescem a trama adulta, enchendo os olhos dos aficionados por detalhes. O único pesar ao deixar a sessão é ter em consciência que esta é a despedida de Jackman. Posto isso de lado, é necessário exaltar que James e Hugh dobraram as mangas e trouxeram para os fãs o filme definitivo e primoroso do Wolverine: visceral, brilhante e revolucionário.

  • Excelente
5

Resumo

O novo filme do carcaju é um respiro para o gênero de heróis, trazendo um enredo louvável recheado de drama e ação visceral. Baseado nos quadrinhos de Velho Logan (Old Man Logan), a trama do filme se passa no ano de 2029, com os poucos mutantes que restaram no mundo escondidos num cenário pós-apocalíptico. Isso inclui o próprio Logan e Charles Xavier, que se homiziaram na fronteira com o México e deparam-se com uma nova mutante, que os obriga a postergar suas zonas de conforto e enfrentar os demônios do passado como forma de aprendizado para lidar com o presente.